CONTO DE FREDERICO SPENCER (TANGO PARA IRACI)
Frederico Spencer
Foto: Divulgação
TANGO
PARA IRACI
A Gustave Flaubert
Seu
olhar se fixara no horizonte, as respostas se multiplicavam na poeira da
caatinga, embaçadas por um sol que já não adiantava - Iraci dançava em sua
íris. Pele branca e o negrume dos cabelos: jogo de luz e sombra que aprofundavam
aquelas curvas que desciam até as ancas carnudas, poço profundo habitado por
seres de outros mundos.
Com o
balanço da cadeira veio o trote do cavalo - o maldito pêndulo ditando aquelas horas;
a visita adentrou para o almoço daquele dia, trouxe uma garrafa de vinho e
frutas, escolhidas a dedo para o momento - Iraci adorava pinhas; encostadas
levemente umas às outras, dormiam sobre uma manjedoura - a esperança de novos
dias nutria o doce em sua pele fina.
Vivia
os dias contando as horas, sonhando, os pratos a serem servidos, nem por um
momento deveria transparecer a inquietude daqueles momentos, sem pressa a
tarântula tecia o casulo da morte.
-
Talvez fosse o vinho e a embriagues de sua cor, tudo era paixão. Um tempo já
maduro, teria aninhado sua semente vil.
Um
homem agora sangra.
Naquele
vai e vem, os pés da cadeira multiplicavam as respostas; um único tiro
alinhavara aqueles pensamentos. Iraci era mais que as sombras de um dia e de
noites criadas na servidão dos desejos.
- Além
de suas saídas, evasivas: a igreja, as novelas e esses livros - esses novos que
a pouco conseguira com algumas amigas. Onde se aninhou a semente do mal?
Em seus
olhos a noite já descia com suas sombras e o dia ainda não havia dissipado o
calor e os restos do almoço ainda estavam entre os dentes: a troca de olhares,
o convite para mais um cálice, a estupidez da embriagues que rápido se esvai,
deixando a realidade estampada, desnuda e fria: Iraci dançava naqueles braços,
olhando os olhos entreabertos. Um bago de pinha caia de seus lábios.
- Não
seria um sonho ruim, visões trazidas à tona por uma digestão difícil? - Tudo
era turbidez e medo.
Aquela
dança crescia como um tango - falava de fogo e sombras dos amores que crescem
serpenteando os dias, maquinando suas más vontades e ao amanhecer voltam aos
seus sótãos sujos.
Caiu
ante os passos desconexos, havia no ar o cheiro da pólvora e o ardor do
estanho, encerrando o dia.
Agora
ele olhava o horizonte trêmulo, aquele dia já ia morrendo. Iraci neste momento
se desbotou em sua mente, tudo era solidão e silêncio.
*Do livro inédito: O olho do rinoceronte.
CONTO DE FREDERICO SPENCER (TANGO PARA IRACI)
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
07:00
Rating:

Bom, poeta!
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