POETA DO DOMINGO
A
poesia de Márcia Maracajá*
Foto:
arquivo pessoal da autora
BRADO
SILVÍCOLA
Luz,
água, ruas asfaltadas
diz
o anúncio na estrada
trago
o mar de novo nos pés
e
meus olhos avançam
muito
além da sujeição
uma
voz me diz num só golpe:
mais
uma vez
Cuidado
com a Literatura
que
não está nos livros
com
os artistas que não vão
para
a televisão
e
que não servem a um patrão
Cuidado
com os poetas loucos
Cuidado
com os gritos!
Com
os famintos e os inquietos!
Com
as degradadas
As
PUTAS
As
libertadas
E
os amores invisibilizados
Cuidado,
vocês,
que
ainda não acordaram
para
o sonho da insensatez
para
a combustão do pensamento
Acelerado
Inquieto
Utópico
Manifesto
Marginal
Plural
Anárquico?!
Revolucionário?!
Avesso
deste mundo paralelo
Em
que os cegos se refestelam
Em
meio a esta ilusão!!!
ONDE
ÁRVORES SAGRADAS SÃO ARRANCADAS!!!
ONDE
MONSTROS DE CONCRETO SÃO REVERÊNCIAS!!!
ONDE
OS RIOS SÃO ATERRADOS
E
A TERRA É LAVADA EM SANGUE
NEGRO!
BRANCO!
ÍNDIO!
Banhada
em indecências
Onde
os suicídios prosperam!
Onde
o povo é apagado!
Onde
a história é silenciada!
Onde
a beleza existe pra turista ver...
VER
O QUÊ?!
EU
TE DIGO!
EU
TE GRITO!!!
Ver
o sinal da cruz
E
ouvir a oração
A
um Deus que nada pode fazer
Da
ganância e egoísmo desses homens
Dessas
mulheres
Que
fecham os olhos antes mesmo de morrer!
Mortos-vivos!!!
E
o Zumbi herói, dele o que se há de fazer?!
A
resistência de seu povo se perde
No
cinturão da pobreza que engrossa
Na
canção e embalo de sua glória que não se dança
Que
não se sabe
Que
não se lembra
Louvamos
a quem?!
Se
à natureza não devotamos amparo
Se
não clamamos todo o nosso legado?
Eu
sou as árvores assassinadas!
Eu
sou as meninas estupradas!
Sou
sangue negro, branco, índio!
Eu
sou corpo, voz e espírito!
SOU
A TERRA ONDE PISAM OS MEUS PÉS
O
HORIZONTE ONDE MEUS OLHOS PODEM ALCANÇAR
EU
SOU A VOZ QUE ME GRITA OUTROS GRITOS
E
SOU TODO ESTE BRADO SILVÍCOLA!!!
Recife-Garanhuns,
2013-2014.
ACORDA POVO
Tirem
das estantes
Dos
armários
A
DIGNIDADE
Parem
os automóveis
Cessem
a emissão de gás
PRECISO
RESPIRAR!
Encontrar
um pouco de
Simplicidade
e humildade
Nas
ruas dessa cidade
POLUÍDA
Devorada
pela desconstrução
Rasgada
pela devastação
Sitiada
Estuprada
Nela
fincada falos infindáveis
Recife
emitindo os ais do consumo apocalíptico
Lugar
para onde arrastaram a lavadeira
Que
agora sem altar chora a antiga celebração
Resta
então reinventá-la, Recife!
A
cada carnaval
Resgatando
do engodo progresso a sua memória
E
tradição
Recife,
peço-te veemência, silencie esta cidade
Motorizada,
mortificada pela tecnicidade
Pela
corrida descabida da busca pelo m²
Com
vista cúbida para o apartamento do vizinho
Usurparam
teu céu! O céu dos passarinhos
Que
não ouço cantarolar
Abra
um fosso e engula os arranha-céus
Vomite
o lixo que obrigaram-te a aceitar
Minha
cidade adoecida
Emputecida
Entregue
ao capitalismo
Não
sou filha tua aquiescida
Escancaro
o peito e ponho-me a gritar
O
teu mar que já não é teu nem meu
O
teu mangue soterrado, sufocando os homens-caranguejos
Deem-me
espaço
Para
eu passar com a minha doença contagiosa
Latente
em tanta gente
À
espera de eclodir em feridas purulentas
Sangrentas
Escariosas
Escandalosas
Desinfetem
o esgoto que contamina
A
boca das crianças
E
façam-lhes assepsia nos olhos
Expostos
a estas imagens violentas
A
população enfileira-se extenuada
Nos
corredores dos hospitais
Amontoada
em cárcere
Jogada
à sarjeta
Como
o lixo embebido no fétido chorume
E
nós, filhos dessa cidade, em apartheid, expungidos,
Esmagados,
apagados,
Esquizofrênicos,
neurastênicos, poetas
Assistindo
a esses golpes brutais e sistêmicos
Pedimos
SOCORRO!
Acorda
povo!
ACORDA
POVO!
ACORDA
POVO!!!
Garanhuns,
agosto 2012.
*Márcia
Maracajá é
professora especialista em mídias na educação, escritora blogueira, performer
literária e consultora textual.
POETA DO DOMINGO
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
07:00
Rating:

Nenhum comentário