CONTO DO DOMINGO
Dremelgas (conto)* de Fernando Farias
Fernando Farias / Foto: Divulgação
Na regressão de memória, estou
caminhando num grande deserto de pedras, os pés descalços e vestindo uma túnica
amarela. O céu coberto de turva fumaça
de enxofre. Nas fendas abertas brotam um vapor quente. Vulcões, gêiseres e o
magma vermelho borbulhante.
Não tenho consciência de quem eu sou,
nem meu nome, nem onde estou. Apenas sei que estou sozinho. Sinto angústia no
imenso vazio de rochas efervescentes. Vou caminhando entre explosões de vapor
até encontrar uma Dremelga.
Dremelgas são as enormes plantas
carnívoras, oriundas do planeta Júpiter. São verdes escuras, mas suas folhas
ficam prateadas à luz do luar. É quando brotam as flores que parecem com
vaga-lumes coloridos. O perfume que exalam, sempre ao alvorecer, é frio e
adocicado.
Não sei nada sobre mim, mas caminho
admirando as Dremelgas. Sei tudo sobre elas. As sementes são pequenas serpentes
aladas, que são expelidas ao alto, que penetram na terra gerando novas plantas.
Tenho medo de me aproximar. Sei que
elas devoram suas vítimas lentamente, com uma gosma ácida. Esta deve ser a
última das Dremelgas, pois estão extintas. Elas são como você. Devoram-se umas às outras, depois choram e
reclamam da solidão.
Quando retornei à consciência,
melancólico, dentro do trem, fiquei sem saber se aquelas imagens eram de uma
vida passada, quando eu era apenas uma ameba vulcânica, ou se tudo não passou
de imagens aleatórias, uma caricatura, de uma alma.
Afinal, Dremelgas é um pouco de tudo,
do nada que existe em você.
*Transcrito do
livro ‘O ovo cósmico’, Edições Sabátika, 2015.
CONTO DO DOMINGO
Reviewed by Natanael Lima Jr
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07:02
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