Poemas da Semana
Cinco poemas
de João Cabral de Melo Neto
Foto: Reprodução / João Cabral de Melo
Neto
A educação pela pedra
Uma
educação pela pedra: por lições;
Para
aprender da pedra, frequentá-la;
Captar
sua voz inenfática, impessoal
(pela
de dicção ela começa as aulas).
A
lição de moral, sua resistência fria
Ao
que flui e a fluir, a ser maleada;
A
de poética, sua carnadura concreta;
A
de economia, seu adensar-se compacta:
Lições
da pedra (de fora para dentro,
Cartilha
muda), para quem soletrá-la.
Outra
educação pela pedra: no Sertão
(de
dentro para fora, e pré-didática).
No
Sertão a pedra não sabe lecionar,
E
se lecionasse, não ensinaria nada;
Lá
não se aprende a pedra: lá a pedra,
Uma
pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto
Meu
caro João,
Dono
do cão sem plumas
Dos
retirantes surrealistas
Um
belo engenheiro da poesia
Amado
poeta do sertão,
Da
luz balão!
Enterra
os ossos com a lâmina da faca
Germina
a poesia popular
Na
educação pela pedra
Nada
de tradicionalismos
Nada
de convencionalismos
Retira
o relógio da gaiola
Esquece
o regimento
Come
os versos, as estrofes
Lança
assovios e flores
De
um arquiteto da luz livre
Toma
umas aspirinas
Abusa
das rimas
Das
vidas divinas toantes.
Do
fazer poético
No
catar feijão
Tecendo
a manhã
Com
a Morte e vida Severina
Semeando
a poesia no sertão
Deixou
seu coração
E
a esperança do amanhã.
Fábula de um arquiteto
A
arquitetura como construir portas,
de
abrir; ou como construir o aberto;
construir,
não como ilhar e prender,
nem
construir como fechar secretos;
construir
portas abertas, em portas;
casas
exclusivamente portas e teto.
O
arquiteto: o que abre para o homem
(tudo
se sanearia desde casas abertas)
portas
por-onde, jamais portas-contra;
por
onde, livres: ar luz razão certa.
Até
que, tantos livres o amedrontando,
renegou
dar a viver no claro e aberto.
Onde
vãos de abrir, ele foi amurando
opacos
de fechar; onde vidro, concreto;
até
fechar o homem: na capela útero,
com
confortos de matriz, outra vez feto.
DifÃcil ser funcionário
DifÃcil
ser funcionário
Nesta
segunda-feira.
Eu
te telefono, Carlos
Pedindo
conselho.
Não
é lá fora o dia
Que
me deixa assim,
Cinemas,
avenidas,
E
outros não-fazeres.
É
a dor das coisas,
O
luto desta mesa;
É
o regimento proibindo
Assovios,
versos, flores.
Eu
nunca suspeitara
Tanta
roupa preta;
Tão
pouco essas palavras —
Funcionárias,
sem amor.
Carlos,
há uma máquina
Que
nunca escreve cartas;
Há
uma garrafa de tinta
Que
nunca bebeu álcool.
E
os arquivos, Carlos,
As
caixas de papéis:
Túmulos
para todos
Os
tamanhos de meu corpo.
Não
me sinto correto
De
gravata de cor,
E
na cabeça uma moça
Em
forma de lembrança
Não
encontro a palavra
Que
diga a esses móveis.
Se
os pudesse encarar…
Fazer
seu nojo meu…
O cão sem plumas
(Fragmento)
A
cidade é passada pelo rio
como
uma rua
é
passada por um cachorro;
uma
fruta
por
uma espada.
O
rio ora lembrava
a
lÃngua mansa de um cão
ora
o ventre triste de um cão,
ora
o outro rio
de
aquoso pano sujo
dos
olhos de um cão.
Aquele
rio
era
como um cão sem plumas.
Nada
sabia da chuva azul,
da
fonte cor-de-rosa,
da
água do copo de água,
da
água de cântaro,
dos
peixes de água,
da
brisa na água.
Sabia
dos caranguejos
de
lodo e ferrugem.
Sabia
da lama
como
de uma mucosa.
Devia
saber dos povos.
Sabia
seguramente
da
mulher febril que habita as ostras.
Aquele
rio
jamais
se abre aos peixes,
ao
brilho,
Ã
inquietação de faca
que
há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.
Jamais se abre em peixes.
Poemas da Semana
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
10:03
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lindos poemas
ResponderExcluirBela seleção de poemas de JCMN e justa homenagem a esse grande poeta nordestino. Parabéns!
ResponderExcluirFazer uma antologia da poética de João Cabral é muito difÃcil, porque todos os poemas caberiam nela, mais conseguimos fazer um belo resumo.
ExcluirValeu Negreiros, vc sempre contribuindo conosco. Obg mesmo parceiro!
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