Mauro Mota, regionalismo e permanência*
por Cláudia Cordeiro*
Mauro Mota/Foto: Reprodução
O nome da placa azul cianótico,
o poeta vira endereço, freqüenta os
“note-books”,
os cartões de visita, o guia da cidade, a lista
dos telefones.
É citado quando alguém pergunta: - Que rua é
esta?
O poeta entra nas casas com as cartas de amor
os telegramas de felicitações e a ventania de
agosto.
(Mauro Mota)
Há sempre um bom motivo para falar da obra de um
poeta como Mauro Mota, mas o há muito mais para falar do homem que completaria
80 anos, em 16 de agosto deste início de século. Todos que tiveram o privilégio
de conviver com sua sagacidade e humor, com seu talento, com sua bondade, com
sua inteligência, jamais esqueceriam essa data.
Mas revisitar o mundo singular de sua obra é estabelecer
um diálogo com o próprio Mauro, porque esse mundo recriado por ele está
perfeitamente afinizado com seu caráter sempre cúmplice dos amigos, na alegria,
na dor, na vida e na morte e, por isso mesmo, é canto imemorial,
ontológico.
Mauro Mota está sempre incluído nos compêndios
da Literatura Brasileira quando se fala, como Antônio Cândido, na “ala viva
da Geração 45” e, em que pese a sua contribuição para as nossas
letras com As Elegias – publicado só em 52 em livro, mas antes
em jornais e revistas da época – poder-se-ia afirmar que, pelo uso das canções,
odes, elegias, sonetos e outras concepções formais dos clássicos, ele estaria
realmente de acordo com os cânones de 45. Além do retorno às formas clássicas,
essa Geração, em oposição a de 22, debruça-se em uma preocupação filosófica
“séria” diante da existência, negando-se, inclusive, à influência dos
modernistas Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Murilo Mendes, um dos
seus aspectos bastante contestável.
Rachel de Queiroz, em Ata de 03.12.84, do
Conselho Federal de Cultura, reclama a presença de Mauro em sua geração: “Mauro
(..) de fato, é da geração de trinta. Só que brotou tarde, como ele dizia.
Germinou tarde”, e Nilo Scalzo em “As Raízes Pernambucanas de Mauro Mota” – O
Estado de São Paulo, 2.12.84 – aponta uma forte influência do grupo de 22 – principalmente
Mário de Andrade.
Mas, imitando o seu criador – “de qualquer
peraltice capaz” - a obra poética de MM está sempre endossando e paradoxalmente
contrariando as três gerações – 22, 30 e 45. Em Jornal do Município,
o “Soneto muito passadista na ponte da Madalena” nos dá o alicerce para essa
afirmativa:
“Que
lembrança ficou para mim do sobrado
da
Madalena? (Vai passando o rio atrás).
Na
frente, o jasmineiro e, no oitão, carregado,
o
pé de fruta-pão e de sombras cordiais.
Na
cumeeira Luís de Camões instalado
O
avô de fraque, a avó entre os jacarandás
Da
sala, na varanda, ou querendo, ao seu lado
O
neto, de qualquer peraltice capaz.
Desta
inclusive de mexer nas coisas mortas
As
valsas de subúrbio, o oratório, a novena.
Que
lembrança ficou do sobrado onde havia
Teresa?
Neco prenda o cachorro e abra as portas,
porque
me chamam, nesta noite, à Madalena,
o
jasmineiro em flor e o piano da tia.
A “peraltice” de MM usa a irreverência de 22
para digressionar ela mesma, a partir, inclusive, da forma, o soneto, pois “Na
cumeeira Luís de Camões instalado”. É o poeta que não assume dogmaticamente as
propostas desse primeiro momento do Modernismo Brasileiro e que, em
30, já utilizava as formas tradicionais independentemente da
proposta de 45. Em Haroldo Bruno - “A poética de Mauro Mota”, in Pernambucânia
ou Cantos da Comarca e da Memória – encontramos a expressão mais
coerente sobre a poética mauromotiana: “espelho convergente”, porque síntese de
conflitos geracionais e confronto histórico, como nas obras realmente
representativas.
É comum falar-se sobre o aspecto regionalista da
obra de MM e não se pode negá-lo. Faz-se, no entanto, necessário verificar
quais os matizes dessa tendência no seu estilo, que caminhos toma a referência
do regional no texto: a exploração do pitoresco, do excêntrico tornando ilógica
a relação do ambiente sócio-geográfico com o homem, como no Romantismo? Ou a
exacerbada preocupação sociológica, de fundo positivista, como no Realismo? Ou,
ainda, a perspectiva crítico-analítica da existência do brasileiro e do seu
ambiente geossocial, como no Modernismo de 22?
Em Mauro Mota temos a maturidade do
regionalismo de 22, que não se prende ao documentário e não esquece o estético,
desde a transcrição da linguagem popular à descrição do espaço geossocial
engendrados pelo escritor. Mas é a recordação, um dos recursos
freqüentemente utilizados na literatura regionalista, a exemplo de Grande
Sertão: veredas, de Guimarães Rosa, que, também na poesia de
MM, instaura o deslizamento do real para a construção de um mundo
novo, permitindo ao poeta incursionar para espaços míticos, para os limites
universais da natureza humana. Utilizando a recordação, MM amplia o seu
abarcar das coisas nossas que inclui os espaços urbano e rural.
O “Soneto muito passadista na ponte da
Madalena”, transcrito anteriormente, correspondente à fase inicial do poeta
(30), revela muito bem esse recurso. Nele o poeta instaura o “mexer nas coisas
mortas” e, “Entre jacarandás”, se dilui em paisagem,
em perfume do jasmineiro em flor, e na música do piano da
tia, referências regionais resgatadas num novo universo lingüístico-semântico
da realidade do texto literário.
Vale a pena ressaltar a percepção desse
regionalismo-urbano, acentuado nessa primeira fase, para adiante quando em
Elegias (1952), Os Epitáfios (1959), O Galo e Cata-vento (1962),Tempo de
Farmácia (s.d.), Chuva de Vento (1964/1968) e Pernambucânia ou Cantos da
Comarca e da Memória (1979), observar-se um equilíbrio entre as temáticas
urbanas e rurais, impressas no autor que nasceu na cidade do Recife e passou a
infância em Nazaré da Mata, zona canavieira de Pernambuco.
Sabe-se que a década de vinte foi cenário aqui
em Pernambuco de uma luta ideológica entre as correntes regionalista e
modernista que, inclusive, dividiu os dois grandes jornais da província em
posições dogmáticas. Conforme Neroaldo Pontes Azevedo – Modernismo e
regionalismo (Os anos 20 em Pernambuco) – “ Os ‘regionalistas’, encastelaram-se
no Diário de Pernambuco” e pregavam a conservação dos valores tradicionais como
forma de se defenderem contra a onda de “modernismo”. “Por outro lado, os que
divulgavam o modernismo, tinham como quartel general o Jornal do Commercio”
(...) e tinham como palavra de ordem imitar São Paulo, especialmente naquele
primeiro grito de urgência na destruição do passado.” Neoraldo Azevedo cita
ainda a obra de Ascenso Ferreira como síntese das duas tendências porque
impôs-se de uma forma moderna subordinada a um conteúdo regional.
No entanto isso pouco nos ajuda na compreensão
do matiz regionalista na poesia de Mauro Mota, como sugerem alguns autores. É
Haroldo Bruno que define: “Nada mais longe de um poema regional de Mauro Mota
do que um poema regionalista de Ascenso Ferreira...”.
É que a poesia de MM alcança uma complexidade
estética tão perfeita que consegue manter-se à margem desses conflitos.As
referências regionais, em sua poética, são, enfim, fruto de um “eu lírico”
coerentemente comprometido com um universo de imagens, sons, perfumes e valores
sócio-culturais que servem à instauração de um canto novo, o canto mauromoteano.
No espaço da recordação, o poema
“Menino Doente” evoca a infância com as suas referências impressas no
matiz regionalista personalíssimo do autor.
“Eram o pião, a bola, o realejo,
o trem de corda, a caixa de brinquedo
de armar. Longe da escola, eram os
dedos de mãe, penteando-lhe os cabelos,
a fruteira no quarto,
o açúcar-cande,
o resedá por cima da atadura.
Entre a cama e a janela, era o menino
com medo, não da doença, mas da cura.
Além dessa pequena análise que contextualiza e
delimita o espaço nobre conquistado pela poesia de MM na Literatura
Brasileira, não se pode deixar de lembrar que ele foi um artífice da
palavra de tal competência que levou o crítico Ivan Cavalcanti Proença, em seu
artigo intitulado “Boletim de um trajetória literária” – in Antologia
em verso e prosa/Mauro Mota – desdobrar-se em uma análise do nível
formal de sua obra e afirmar: “No soneto, Mauro Mora foi o único poeta
pós-22 – e afirmação resulta de muito pensar (e procurar) nosso – que conseguiu
trabalhar ao nível formal com quase todas as variantes rímicas (esquemas e
combinações), rítmicas (distribuição dos ictos), métricas, do clássico
petrarquiano, ao soneto-hoje, libertíssimo, com a mesma força conteudística,
mantendo aquela antiga dignidade do “casamento” soneto forma fixa/tema
tradicional, poesia-poesia, ou valendo-se do soneto para registrar o simples, o
“banal”, o momento que, a princípio, “não dá poesia”. Incrível que, com todo
esse percurso, variado e heterogêneo, (fixo só na forma fixa) consiga dizer, o
tal poema de significados, que afinal, é o que nos interessa.” (grifo nosso).
Com Elegias, Mauro Mota
incrusta a sua presença definitivamente na paisagem literária brasileira, a
ponto de se criar a legenda, até hoje usada nos meios intelectuais: Mauro
Mota, o autor das Elegias. Nele, parte da observação de
Proença é ratificada exemplarmente. Sob o signo da dor, pela perda da mulher
Hermantine, o eu-lírico se desdobra em uma série de dez sonetos, como se aquela
forma fixa fosse a “fôrma” necessária para domar a dor e transformá-la em arte:
As mãos leves que amei. As mãos, beijei-as
nas
alvas conchas e nos dedos finos,
nas
unhas e nas transparentes veias.
Mãos,
pássaros voando nos violinos.
Abertas
sempre sobre os pequeninos,
Mãos
de gestos de amor e perdão cheias.
Mãos
feitas para construir destinos
no
céu, no mar, nas tépidas areias.
As
mãos que amei em todos os instantes
A
carícia das mãos que iam colhê-las
Eram
as rosas que colhiam antes.
Se
parecem dormir, não as despertes.
As
mãos que amei, que desespero vê-las
Cruzadas,
frias, lânguidas, inertes!”
O mestre e poeta, César Leal, vem-nos advertindo
que uma análise literária que se queira séria não pode dissociar a forma do
conteúdo e, mais recentemente, tem informado que a redução teórica do conceito
do lírico de Emil Staiger se encontra ultrapassada, talvez porque o eminente
estudioso, especialmente em seu Conceitos Fundamentais da Poética,
tenha-se detido mais profundamente nos aspectos conteudísticos da obra poética.
Mas o caminho metodológico percorrido por Staiger se molda perfeitamente como
instrumento de análise da trajetória lírica do grande poeta brasileiro.
No soneto citado anteriormente, por exemplo, a
presença das “mãos humanas”, imagem recorrente em inúmeros momentos da poética
mauromoteana, remete-nos, imediatamente, ao registro de Staiger: “(...)
o autor lírico, para expressar estado de espírito sombrio, lança mão de imagens
da esfera do corpo.”. O poeta assombra-nos nessa
recorrência com imagens inesquecíveis, como no poema “O Viajante”:
“...........................................
Angústia
longa e cinzenta
de
não partir nem ficar.
Transeunte
na ponte entre
o
cais e o barco do mar,
o
barco dos emigrantes,
todos
de mãos amputadas,
que
as mãos ficaram no ar
e
é um só gesto coletivo
de
despedida e chamar.”
É importante observar aqui não
só a imagem recorrente das mãos em sua obra, mas também a coerência que existe,
na poesia de Mauro Mota, em relação ao modo de ser do lírico, a habitar espaços
ontológicos, resvalando-se entre existências opostas, passado e futuro,
tornando-as, como afirma Staiger, “uma unidade sem diferenciação”. Por isso a
antítese de “despedida e chamar” de um único gesto, o gesto universal do adeus.
É nessa dimensão atemporal em que se abriga o
eu-lírico, em sua “sólida sozinha solidão”. O caminho de volta está
interceptado entre dois “abismos”, ou deixar-se entregue a ela, excluindo-se do
mundo real, ou regressar ao vazio do mundo.
À medida que ingressamos pelos caminhos da
poesia mauromoteana encontramos uma coerência profunda da sua cosmovisão
que lhe lega uma integridade própria daquele que soube fazer do seu canto
testemunho do Homem.
Desrealizando o cotidiano, o trivial, o regional
e resgatando o imediato projetado num espaço mítico, universalizante, o poeta é
fusão com a natureza de todos, porque:
“Paz
na origem como
se
tivesse existido sempre e não chegasse depois.
No
silêncio que não veio e já havia
sem
ter sido antes música ou palavra.
Paz
da natureza cúmplice,
as
sombras descendo do arvoredo sem tocar na folhagem,
os
pássaros mudos abrindo os bicos
para
recolher e levar longe o eco dos cantos anteriores.
Paz
onde Luciana
escute
o rumor da rosa abrindo.”
Bom seria que as ventanias de
todos os agostos nos trouxessem a companhia do poeta. Abramos sempre
todas as janelas.
*Este artigo foi originalmente publicado na revista
Continente Multicultural, de agosto de 2001
*Cláudia Cordeiro é professora especialista em Literatura Brasileira e editora dos
sites Plataforma para a Poesia e Trilhas Literárias.
Foi premiada com o primeiro lugar do Prêmio de Ensaio "Mauro Mota" da
União Brasileira de Escritores (1985), quando da gestão de Paulo Cavalcanti. O
Prêmio teve, entre os membros de sua comissão julgadora o Mestre César
Leal.
Poemas de Natanael Lima Jr, Frederico Spencer,
Samarone Lima, Márcia Sanchez Luz e Miró
Efêmeros*
Natanael Lima Jr
Img: Reprodução
Efêmeros,
o sentido perdeu o sentido
e a vista não avista
além do vasto.
*Do livro “À espera do último girassol & outros
poemas”
Cinzas*
Frederico Spencer
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Um lampejo de sol
sobre as cinzas das horas:
um vulto de mulher
tomando de assalto
o que sobrou do dia:
migalhas do pão
o café derramado
a folha triste
do calendário que não muda
ainda queimam, tuas impressões:
o batom sobre a pele fria.
*Do livro “Quadrantes Urbanos”
Heranças
Samarone
Lima*
Img:
Reprodução
Herdei demais.
Agora me compete a febre do
excesso
(embora a busca da opulência do
pouco).
Febres sazonais
(palavras que não eram minhas)
quebraram ossos, janelas,
arranharam paredes,
ruínas.
O relento
passeia em minha alegria.
Me torno o filho adotivo
que cria um sangue novo
próximo ao veneno.
Me torno
o que recebe mais
do que lhe foi dado.
O esplendor, cabisbaixo, me
espreita.
A cada manhã estendo as mãos
e peço desculpas
à própria palmatória.
*Samarone Lima é poeta, jornalista e edita o blog http://quemerospoemas.blogspot.com.br/
Madrigal*
Márcia Sanchez
Luz
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Quero-te ao som do silêncio,
quero-te à sombra da estrela;
Como te quero, endoideço!
Quero-te tanto e mal penso
que te querer me congela.
E este querer sem cautela
me faz viver sonho imenso.
Quero-te assim, como eu quero
que este querer não acabe!
Por ti, meu bem, não pondero
e mesmo nem considero
se em nossa vida não cabe
o amor que tanto eu espero.
*Do livro “Quero-te ao som do silêncio!”
Márcia Sanchez Luz – É natural de São Paulo, é
poeta, pedagoga, psicóloga e tradutora de Inglês e Francês e edita o blog http://www.poemasdemarciasanchezluz.blogspot.com.br/
Quase Crônico*
Miró
Img: Reprodução
Ela estava
talvez
No quarto andar
do edifício enfrente ao bar central
A cada nesga
de vento seu vestido mostrava suas coxas
Brancas por
trás da vidraça
Acho que ela
talvez fizesse isso de propósito
Falo talvez,
Por que quando
se bebe
Uma coisa que
não se tem é certeza
Ficou por trás
da cortina
Disfarçando
uma nudez Hitchcock,
Orei a todos
os deuses que nenhum poeta aparecesse
Que eu
desvendasse sozinho a presença dela
E também
porque não aguento mais 2 poetas do meu lado
Como deve ser
também assim com os jornalistas
Ainda mais no
bar central
Fui perder
tempo com isso
E quando olhei
Nem a janela
tava lá
*Do livro “Quase Crônico”
Mauro Mota, regionalismo e permanência*
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Bom dia amigos,
ResponderExcluirPerdão se sou tão repetitiva, mas é um prazer estar aqui, gosto de vir com calma e ler apreciando seu post, que realmente acrescenta muito ao meu conhecimento.
Mais uma vez muito obrigada por esse espaço.
Sou repetitiva mas é só pra deixar meu carinho e mostrar que passei por aqui.
Beijos a todos os editores .
Joelma
Olá Joelma, sempre um prazer sua visita. O espaço aqui está aberto a comentários dos nossos leitores.
ResponderExcluirAbraços,
Natanael Lima Jr
Editor
Olá Natanael,
ResponderExcluirAdorei seu posto.
Versos inspirados que precisam ser lidos, relidos e degustados.
Parabéns.
beijo grande
Olá Vera, prazer muito grande da sua visita e comentário.
ExcluirNatanael Lima Jr
Editor