ENTREVISTA COM A POETA NOÉLIA RIBEIRO
Postado Por DCP I 12/09/2023
Entrevista concedida a Maria de Lourdes Hortas*
Creio que a renovação na escrita deve acontecer sob o olhar da tradição. O panorama poético no Brasil anda muito bem. Passaram por meu programa poetas que nos arrebataram, a mim e à audiência. Surpreendeu-me, por exemplo, a poesia contundente de jovens negros, LGBTQIA+, indígenas e mulheres, sobre a violência psicológica e física que sofrem”.
A pernambucana Noélia Ribeiro mora em
Brasília. Formada em Letras (Português e Inglês) na Universidade de Brasília
(UnB), a poeta publicou Expectativa (1982), Atarantada (Verbis,
2009), Escalafobética (Vidráguas, 2015), Espevitada (Penalux,
2017) e Assim não vale (Arribaçã, 2022). Participou da exposição Poesia
Agora, na Caixa Cultural (RJ). Integra a antologia As Mulheres Poetas na
Literatura Brasileira (Arribaçã, 2021). Tirou o quinto lugar no Prêmio Off
Flip 2022 (Poesia), com o poema Abelha-Rainha. Tem poemas publicados
traduzidos para inglês e espanhol. É membro da Associação Nacional de
Escritores (ANE-DF) e da União Brasileira de Escritores (UBE-RJ). Noélia
organiza e apresenta, semanalmente, a live A Fim de Poesia, no
Instagram: @noeliaribeiropoeta
Maria de Lourdes Hortas - Quem
é Noélia Ribeiro?
Noélia Ribeiro - Uma
capricorniana aprendiz de poeta, que ainda não se acostumou com a passagem do
tempo. Alguém que não vive sem gente, gato, poesia, música, cinema, enfim, sem
arte.
MLH - Você
nasceu no Recife, mas saiu daqui ainda criança:
como é a sua relação afetiva com a capital pernambucana? Você reconhece
as suas raízes?
NR - Saí
pequena de Recife. Guardo poucas recordações de infância. Há dois anos, tomei a
decisão de voltar à cidade. Passei uma semana, sozinha, (re)conhecendo o
espaço. Procurei a maternidade em que nasci, mas no prédio funcionava um órgão
público. Perguntei pela Rua do Lima, e ninguém soube me dizer onde ficava.
Aproveitei para visitar o Marco Zero, mergulhar nas águas de Boa Viagem,
assistir ao show do Caetano e encontrar, em Caruaru, dois amigos que conheci
durante a pandemia. Retornei ao Recife no ano passado, sentindo-me mais
pernambucana.
MLH - Hoje,
aclimatada e estabilizada em Brasília, alguma vez pensou em regressar ao
Nordeste?
NR - Várias
vezes. Gosto da comida, da arte, das pessoas, das praias nordestinas, porém
enraizei-me em Brasília, onde estão amigos e família.
MLH - O que
a levou ao universo da Poesia? Escrever foi destino ou opção?
NR - Ainda
criança, no Rio de Janeiro, passava as tardes ouvindo rádio. Aos nove anos,
compus duas canções (letra e música). Depois comecei a escrever quadrinhas com
os nomes das pessoas. O fato de morarmos em uma quitinete tornava inviável a
compra de livros. Assim sendo, a música marcou o início de minha ligação com a
arte. O contato com a leitura começou mesmo em Brasília, onde desembarquei em
1972. Conheci os clássicos da nossa literatura no colégio e a poesia
contemporânea por intermédio de meus amigos poetas. Além disso, com a mudança
para um apartamento maior, minha mãe passou a adquirir os livros da Nova
Aguilar. Aos 17 anos, venci o festival de música do colégio com um poema
musicado por um amigo. Aos 18 anos, fui aprovada no vestibular de Letras
(Licenciatura em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira) da UnB. Voltei à
universidade, depois de formada, para concluir o Bacharelado em Língua e
Literatura Inglesas. Não tenho dúvida de que escrever foi destino.
MLH - O fato
de escrever ocupa lugar prioritário em suas vivências?
NR - Agora
sim. Durante um período, leitura e escrita ficaram em segundo plano, porque
outras atividades ocupavam meu dia. O trabalho como taquígrafa era árduo, eu
não tinha hora para sair. Assim, acabava por doar meu tempo em casa à família.
Depois que me aposentei, tudo mudou. Viajei bastante para falar meus poemas,
conheci poetas de vários estados, criei meu programa e acabei de publicar o
quinto livro.
MLH - Quais
as suas referências na literatura?
NR - São
inúmeras: Cecília Meireles, Drummond, Cruz e Sousa, Manuel Bandeira, Fernando
Pessoa, Adélia Prado, Alice Ruiz, Mario Quintana, Caetano Veloso, Ana Terra, os
poetas marginais, Paulo Henriques Britto, Ana Martins Marques e outros poetas e
letristas.
MLH - A sua
poesia, pela força e coragem dos temas que você aborda, tem alguma intenção
social? Isto é: acredita que a poesia escrita por mulheres pode, de alguma
forma, contribuir para sedimentar as conquistas femininas no nosso país?
NR - Toda ação é política.
Considerando que a minha poesia atravessa o universo feminino, não raro, acaba
esbarrando em temas espinhosos: violência, opressão, abandono. Esse processo de
incorporar temáticas diferentes daquelas dos livros anteriores surgiu
naturalmente. Respondendo à sua pergunta, a literatura de autoria feminina pode
não somente sedimentar conquistas, como também espelhar os entraves dessa luta
constante por valorização, respeito, visibilidade, igualdade de direitos etc.
Com relação às nossas conquistas, vale ressaltar a belíssima iniciativa da
escritora Maria Valéria Rezende de criar o Mulherio das Letras, que deu vez e
voz a dezenas de autoras brasileiras.
MLH - Além
de poeta, você também atua como produtora cultural, no Instagram, através do
seu canal A Fim de Poesia, onde vem recebendo autores brasileiros,
alguns consagrados, outros, iniciantes. Conte um pouco dessa sua experiência.
NR - No
início da pandemia, ao buscar a Internet para fugir do tédio, surgiu a ideia de
organizar um encontro no Instagram com poetas que conheci em minhas viagens
pelo Brasil. Fiquei tão empolgada que acabei convidando também poetas que não
conhecia pessoalmente. Gosto do projeto, porque apresenta poetas de diferentes
dicções, consagrados ou não, com livro publicado ou não, periféricos ou não,
jovens ou não. Nestes três anos e meio
em que organizo, divulgo e apresento o programa, foram quase duzentas edições do
A Fim de Poesia, contemplando centenas de poetas.
MLH - Como
resultado desse seu valioso trabalho, onde tem ouvido e acompanhado a poesia de
tantos autores, pode fazer uma ideia de como anda a poesia no Brasil? Encontra
alguma renovação no panorama poético atual? Ou os caminhos são os mesmos, ainda
ligados à tradição do século XX?
NR - Creio
que a renovação na escrita deve acontecer sob o olhar da tradição. O panorama
poético no Brasil anda muito bem. Passaram por meu programa poetas que nos
arrebataram, a mim e à audiência. Surpreendeu-me, por exemplo, a poesia
contundente de jovens negros, LGBTQIA+, indígenas e mulheres, sobre a violência
psicológica e física que sofrem. Realmente, tem sido um trabalho de escuta
valioso.
MLH - Como
foi o processo de produção de seu mais recente livro Assim não vale? Em
comparação aos outros, você identifica alguma mudança?
NR - Assim
como os outros, o novo livro também aborda o universo feminino, com o auxílio
luxuoso do mar. Os poemas são densos e tristes, porém permeados da ironia
própria de minha escrita. Depois de cinco anos sem publicar, a produção do Assim
não vale brotou de uma escolha criteriosa dos poemas, além da bela capa de
Anna Mendes e do prefácio extraordinário de Wanda Monteiro. A busca por uma
editora do Nordeste cessou ao encontrar a Arribaçã.
MLH - O Domingo
com Poesia agradece a forma simpática e fraterna como nos recebeu. E deixa
aqui um espaço para as suas considerações finais.
NR - Agradeço o honroso convite para participar do Domingo com Poesia, jornal de minha profunda admiração. Um abraço aos leitores, aos colaboradores e ao criador do DCP, o amigo Natanael Lima.
DOIS POEMAS DE NOÉLIA RIBEIRO
LEXICOCRACIA
Não tenho palavras. Nunca as
tive.
Soberanas, elas me têm.
Atiram-se à minha frente
e desviam minha atenção no
trânsito.
Tergiversam. Vaticinam.
Regozijam-se do meu tormento.
Espalhafatosas, subvertem
minha atração
por elas com seus pirepaques e
faniquitos.
De madrugada, despertam-me
aos sopapos, sem pena:
Levanta! Endireita-te!
Vai fazer poema!
AMARÍTIMO
Enfrentar a preamar num barco
Solitário até atingir
A enseada, definhado e
sapiente
Dos amares, o maior
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*Maria de Lourdes Hortas é poeta, ficcionista, ensaísta, artista plástica e colaboradora do site Domingo com Poesia - DCP
Excelente entrevista! Parabéns para as duas poetas!✍️📚📸🥂⭐⭐
ResponderExcluirParabéns, poeta NONÔ, realmente é de impressionar a sua "lucidez poética" ao abordar o panorama literário brasileiro!
ResponderExcluirMuito boa essa entrevista com a minha poeta candanga predileta! Parabéns!
ResponderExcluirParabéns entrevistada e e entrevistadora. 👏🏻👏🏻👏🏻
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