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ENTREVISTA COM O ESCRITOR E JORNALISTA NEY ANDERSON

 

Entrevista concedida a Natanael Lima Jr., editor do DCP

Publicado por DCP em 27/09/20 às 00:02





Jornalista e escritor Ney Anderson / Foto: Reprodução




A última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil apontou uma queda de quatro milhões e meio de leitores em um período de cinco anos. É assustador. Justamente porque falta política pública mais atuante de incentivo à leitura nas escolas, sobretudo para os mais jovens, na primeira infância. 




Ney Anderson (Recife-PE, 1984) é jornalista, escritor e crítico literário. Tem contos publicados em diversas antologias. Entre elas, Contos de Oficina (Editora Bagaço,2007-2008-2009-2010), Livrinho de Papel Finíssimo (2011) e Carrero com 70 (Cepe Editora – 2018). Participou ainda da antologia Os novos escritores pernambucanos do século XXI (Diário Oficial de Pernambuco, 2008). Desde 2011 mantém o site Angústia Criadora (www.angustiacriadora.com ), especializado em resenhas literárias. Já colaborou com artigos críticos para os jornais O Estado de S. Paulo e Estado de Minas. É também colunista de literatura da rádio CBN Recife. O Espetáculo da Ausência é o seu primeiro livro.



DOMINGO COM POESIA – Jornalista, escritor, editor e crítico literário. Quem é Ney Anderson?


NEY ANDERSON - Tudo isso e mais um pouco. Pai, marido, filho, amigo, alguém que procura fazer o bem. No aspecto profissional, eu sou inquieto por natureza. Sempre procurando maneiras variadas para apresentar conteúdos interessantes aos leitores. Seja um conto, crítica literária ou texto jornalístico. No aspecto pessoal, tento manter a leveza e a alegria de viver, com otimismo e esperança em dias melhores.

 

DCP - Parece-nos que o seu dia a dia é bastante atribulado entre o jornalismo, o site Angústia Criadora, a crítica literária e as resenhas que você escreve. Como consegue reservar tempo para produzir textos literários?


NA - E ainda o cuidado com a casa, com a filha e com um hamster de estimação (risos). E também com a divulgação do meu livro. Estou em home office desde março, mas a minha esposa não. Então, as minhas obrigações aumentaram bastante nesses seis últimos meses. Mesmo antes desse isolamento social, a minha rotina já era muito corrida. Lógico que agora aumentou. No entanto, tento reservar um tempo para cada uma dessas funções. Embora o meu ritmo no Angústia Criadora tenha diminuído um pouco, já que não vivo financeiramente do site, eu tento deixá-lo atualizado com novas resenhas.

 

DCP – Qual o papel das oficinas literárias na formação de um escritor?


NA - Eu diria que tem um papel importante na formação do leitor, primeiramente. O comentário já é batido, mas verdadeiro. Na oficina literária que eu frequentei por tantos anos, do mestre e amigo Raimundo Carrero, eu aprendi a ler. Fui entendendo tecnicamente os recursos que são possíveis na criação de um texto literário. A partir disso fiquei muito mais tranquilo, com bagagem e segurança para criar as minhas próprias histórias. Claro, o que eu aprendi e aprendo até hoje, principalmente lendo bastante, eu não uso como fórmula. Mas quando estou escrevendo, por exemplo, sei o objetivo que quero alcançar. No entanto, a criação literária também tem o componente do imprevisível. Vou descobrindo coisas que até então eu não estava imaginando. É muito interessante quando essas surpresas acontecem.

 

DCP – Para que serve a crítica literária?


NA - Para conectar livros e pessoas. O meu objetivo desde sempre foi fazer do Angústia Criadora um espaço de incentivo à leitura. Por isso que a ideia foi escrever sobre literatura brasileira contemporânea, que é riquíssima e vasta. Não me interessa fazer crítica para me colocar no pedestal de intelectual ou escrevendo de forma inelegível para a maioria das pessoas para alimentar um ego que não leva a nada. Gosto de ser muito mais simples, optando por um conteúdo que se lê com facilidade e alegria, assim como se bebe água, como diz Carrero, quase como um bom conto. Impossível, por exemplo, não se apaixonar pelos artigos do José Castello. É uma influência para mim. Porque o que ele faz é estender o trabalho do autor. E não querer que a resenha seja maior do que a obra. Sendo mais sucinto. A crítica literária tem que aproximar o leitor do livro. E não afastar.

 

DCP – O Brasil lê mal? Como você vê a realidade do ensino brasileiro no tocante ao estímulo à leitura dos nossos docentes?


NA - Com o tamanho do país, pode-se se dizer que falta muita coisa para o Brasil se tornar uma nação de leitores. A última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil apontou uma queda de quatro milhões e meio de leitores em um período de cinco anos. É assustador. Justamente porque falta política pública mais atuante de incentivo à leitura nas escolas, sobretudo para os mais jovens, na primeira infância. Existem algumas escolas de referência que têm trabalhos específicos voltados para a leitura. Ainda é pouco. É preciso que os governantes entendam que não existe desenvolvimento se o hábito da leitura não for estimulado.

 

Um longo caminho ainda precisa ser percorrido. Não sei, sinceramente, se o Brasil vai mudar essa dura realidade um dia. Mesmo assim, a minha esperança é renovada quando alguém diz que começou a ler por conta de uma dica minha ou de outra pessoa. Ou até depois da leitura do meu livro. Isso aconteceu recentemente, inclusive. Então, uma nuvem se dissipou e o otimismo foi reativado. Precisamos sempre trabalhar com a esperança e não com o pessimismo.

 

DCP – Qual o papel da literatura na formação da criança?


NA - Um papel fundamental. Estimular a imaginação e, consequentemente, a criatividade, passa pelo estimulo da leitura de obras literárias. A criança que lê desenvolve aspectos relacionados à empatia, por exemplo. E também o entendimento do mundo de uma forma muito mais rica, com a resolução de problemas de várias maneiras possíveis. Porque o estimulo proporcionado pela leitura faz com que a criança não pense de forma cartesiana sobre determinados assuntos. Justamente porque a leitura de ficção oferece isso ludicamente.

 

DCP – Relate um pouco sobre a sua experiência de editar um site (Angústia Criadora) e escrever para a internet?


NA - Eu tenho um enorme carinho pelo Angústia Criadora. Um projeto que virou a minha vitrine. Eu me tornei crítico a partir dele. Tantas coisas aconteceram nesses mais de nove anos no ar. Colaborei com jornais tradicionais do país e sou colunista de literatura da rádio CBN Recife. Mediei conversas, participei de bienais e festas literárias como convidado, dei entrevistas etc. Isso só foi possível por conta do site. Em 2021 ele completará dez anos no ar ininterruptamente. Não é fácil mantê-lo atualizado constantemente por conta da falta de tempo e ainda mais porque eu não tenho apoio financeiro nem para pagar a mensalidade da hospedagem. Mas eu sigo na resistência. Eu edito sozinho esse tempo todo. Só eu escrevo as resenhas, salvo algumas raríssimas exceções de parceria. Escrever sobre literatura na internet tem muitas vantagens. Uma delas é não ter limite de tamanho para aprofundar o pensamento. Outra é que não existe o limite geográfico. O site já foi acessado em vários países, de quase todos os continentes. A principal vantagem é essa, de poder oferecer o conteúdo para pessoas de diversas partes do mundo. O lado negativo é que mesmo com esse trabalho cuidadoso e atento, até hoje não me rendeu um centavo de parceria financeira dentro do próprio site, com anúncios, conteúdos patrocinados etc. Mas não é uma reclamação, apenas um fato. Eu tenho um sonho com o site enquanto ferramenta social. De poder percorrer todos os estados brasileiros e conhecer in loco a produção literária de cada lugar, dos escritores que não têm espaço na mídia, e transportar isso para o Angústia Criadora como uma grande reportagem. E depois expandir a experiência nos países latino-americanos. Quem sabe eu não realize em um futuro próximo. Quem sabe alguém não queira patrocinar.  

 

DCP – Quais as habilidades fundamentais para se tornar um bom resenhista literário?


NA - Ler muito, vários gêneros e estilos. Isso vai ajudar na compreensão geral da literatura. Depois é ir rascunhando os próprios textos, lançando ideias sobre o livro lido. A prática, na verdade, vai dando as ferramentas para produzir uma boa resenha. Hoje eu já sei como fazer, tenho uma maneira só minha de escrever crítica literária. Mas no começo tudo foi caótico. Aprendi com a mão na massa e também lendo outras críticas de pessoas que eu admirava e admiro. O que o crítico não pode ser é preguiçoso e ficar sempre na zona de conforto.

 

DCP – Você acaba de lançar o seu primeiro livro de contos “O Espetáculo da Ausência”, pela editora Patuá (SP). Fale um pouco sobre a experiência de publicar este livro?


NA - Estou agora do outro lado do balcão, lendo as resenhas e os comentários dos leitores. A experiência está sendo maravilhosa. É algo inédito para mim. Estou podendo experimentar a emoção de ter um livro sendo lido e debatido por pessoas de várias partes do país. A crítica tem recebido O Espetáculo da Ausência de maneira muito positiva. É algo que me deixa feliz. Inevitavelmente lancei o livro no pico da pandemia, no caos total, porque ele já estava pronto. Mas ele poderia ter se perdido no meio disso tudo. Mas aconteceu justamente o contrário. O que mais tem me impressionado são os diversos pontos de vista de cada leitor sobre a obra. É uma alegria saber que os meus contos têm despertado tantas sensações maravilhosas e estimulado o debate. 

 

DCP – As cenas urbanas, o Recife central formam um grande elo entre todos os seus contos. Observei que a cidade surge não apenas como cenário das histórias, mas como próprio personagem. Comente sobre isto?


NA - Recife é uma personagem do livro. Sempre percebi a cidade por outra lente, mesmo antes de pensar em ser escritor. Porque todo aquele movimento da área central me causava (e causa até hoje) muitas sensações positivas. O burburinho, a vida pulsante, a energia, os cenários e histórias me ajudam a criar ficção. Lógico que ao jogar isso para os contos, eu dou o meu tratamento de ficcionista, que não é exatamente sobre a realidade cem por cento crua. Mas o meu olhar de escritor sobre várias situações do dia a dia, utilizando os conflitos dos personagens como mola para o movimento inquietante dos textos. 

 

DCP – Outra característica marcante de “O Espetáculo da Ausência” são os desfechos inesperados criados por você. O que lhe motivou a buscar este recurso?


NA - O recurso é para dar um contorno de surpresa, esticando a corda do mistério até a última linha. No entanto, mesmo nesses finais, digamos, mais lógicos, eu considero que eles permanecem em aberto para depois da última linha. Não é de forma alguma uma mera conclusão. O espanto final em muitos contos faz com que o leitor reflita sobre a história que resultou naquele encerramento.



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