JACI BEZERRA, POETA DESTAQUE DA SEMANA
Organização
Natanael Lima Jr.
Seleção dos poemas Juareiz Correya e Maria de Lourdes Hortas
Jaci Bezerra / Foto: Reprodução
“Poeta, dramaturgo, contista, novelista,
editor. Nasceu em Murici (AL) e vive no Recife (PE) desde a adolescência. Um
dos nomes mais importantes da cena literária pernambucana, integrante da
Geração 65, criador, ao lado de Alberto da Cunha Melo e amigos, da Edições
Pirata, do Recife, responsável pela publicação de mais de 300 autores
pernambucanos, nordestinos e de outras regiões brasileiras. Livros de poesia
publicados : LAVRADOURO, A ONDA CONSTRUÍDA, O LIVRO DE OLINDA, O LIVRO DAS
INCANDESCÊNCIAS, CANTOS DA COMARCA. Organizou, com Sylvia Pontual, a antologia
poética ilustrada ÁLBUM DO RECIFE. É autor de EMÍLIO MADEIRA, O GALO (novela) e
OS PASTOS DA MINHA LEMBRANÇA (contos).”
SELEÇÃO DOS POEMAS DE JACI BEZERRA
ESCOLHIDOS POR JUAREIZ CORREYA E MARIA DE LOURDES
HORTAS
NO
RASTRO DA VERDADE INICIADA*
O meu país é a lembrança
de minha infância arruinada:
arde no tempo e me alcança,
dói no meu peito, renovada.
A minha voz não se exalta,
nem faz denúncias disfarçadas:
escorre, mansa, sobre as pautas
de uma canção desesperada.
O meu país é uma casa
só por meus sonhos habitada:
seus alicerces são as asas
da solidão atormentada.
Ao escrever, abro uma porta
pelo meu sonho arquitetada:
madeira de uma época morta
de angústia e sonho tatuada.
A minha voz é o murmúrio
de uma paixão transfigurada:
soluça e morre entre antúrios
de uma varanda desolada.
*Página
da antologia Pernambuco, Terra da Poesia
RECIFE:
GEOGRAFIA PESSOAL*
Guarda a cidade num dos arquipélagos
da alma
como quem guarda na estante os seus
poetas prediletos :
Bandeira, Cardozo, João, Carlos
Drummond de Andrade.
E sabe, ao amorosamente folheá-la,
que pode ir dormir como homem e
acordar como acácia.
Nada capaz de assustar a poesia.
Apenas, depois que a conheceu, aceitou
ficar assim
povoado de beirais e torres de igrejas
para sustentar andorinhas no ar.
E branco, todo branco, com a alma em
cal viva
lavra esse metro de lembrança e luz
com um solitário rio no meio:
cantando.
*Página
da antologia Poesia Viva do Recife
CANÇÃO*
Vou plantar na varanda a minha mágoa,
e espero, assim, que a vida a mim
esqueça.
Fluídico e sereno como as águas
deixem, vocês, que eu me desapareça.
Vou partir depois disso, prontos tenho
o passaporte e a blusa de emigrante.
Deixem vocês, eu parto como venho
para ser outra vez o que fui antes,
As lágrimas ardendo são estrelas
cintilando no fundo de outro poço.
Vocês não se debrucem para vê-las
que, nelas, acharão só meus destroços
(a canção que inventei de ouvido,
inteira,
e as rosas florescendo nos meus
ossos).
Não procurem saber dos meus intentos,
peço como um favor, ninguém me ouça,
pois Rosário já vem tangendo os ventos
e apaziguando a minha carne moça,
vem molhada de luz, vem sem lamentos,
trazendo um lírio em suas mãos de
louça.
Já é chegada a hora da partida,
No meu bolso soluça o coração,
por isso, não liguem muito à vida
que para olhar e ver, trago na mão.
Nem olhem, se ainda me veem, para a
ferida
que expõe, aberta, a minha solidão.
Parto rendido e entregue aos meus
afetos,
e amigos que não tenho, não terei.
Matei as sempre-vivas do deserto
recusando as canções que não criei.
E descobri, sentindo o amor tão perto,
que nada sou do sonho que inventei.
*Do
Livro das Incandescências
INFORMAÇÃO
PARA TURISTA*
Uma acácia, nos compêndios de poesia,
nunca será árvore, mas invento:
a invenção de Deus no oitavo dia,
utilizando pássaros, nuvens, ventos.
Milagre que se abre e é concebível
navegando no silêncio das esquinas
ou das praças, e que quanto mais visível
menos aquele que a vê a imagina.
A acácia é leve e ave, sobretudo
à época do verão, quando se inflama
e, úmida de luz e sol, aninha tudo,
inclusive o Recife, em suas chamas.
Toda acácia plantada tem o dom
de voar no espaço onde se planta.
E ao florescer, aberta em luz e som,
uma acácia tanto voa como canta.
Qualquer acácia é um excesso de beleza
desconcertando o lógico e o
comprovável:
tão bela é que ao flutuar, acesa,
quem a vê tem vontade de ser árvore.
*Do
livro Comarca da Memória, Recife/PE, 1993
NOÇÃO
DE PERNAMBUCANIDADE *
Quando é verão no Recife e as acácias
se preparam para voar, tudo é abril
nos corações:
os que amam sentem desmanchando-se na
boca
um gosto de azul e água, cajueiros e
sol
enquanto o rio soluça ferido de luz
carregado de paisagens mansas e
pacificadas.
Milagre do amor, que vai até onde o
amor é lembrança:
o Recife, ulcerado, passeia dentro de
nós
pesado de vivos e mortos também
ulcerados.
*Página
da antologia Poesia Viva do Recife
TOPOGRAFIA
DO BURGO DE OLINDA*
à distância de quatro séculos,
a partir de um telescópio montado no
campanário da Igreja da Sé,
com pedido de desculpas aos mapas e
teses dos geógrafos,
bem como ao teodolito e demais
instrumentos de trabalho
dos senhores arquitetos e engenheiros
É um volume de sonho e luz aberto
nas prateleiras do ar,
aos olhos revelando um mundo impresso
em água e eternidade, em brisa e mar.
E encanto antes de tudo, só encanto
para quem a conheça.
E, sobretudo, o medo que esse encanto
um instante após nascer desapareça.
Evadida do tempo, em nós desliza
e fica, como a lembro,
à flor do mar, dourada pela brisa
e o ouro dos cajueiros de setembro.
Seria, na lembrança, outra paisagem
ao mundo acrescentada,
Não fosse o mangue que enferruja a
aragem
na qual, por ser encanto, está
pousada.
Rasurando a memória, se folheio
as lembranças extintas,
evita, silenciosa, os meus receios e
altera o mundo
sem que o mundo sinta.
O sonho extinto em quem, sonhando, a
veja
mesmo extinto não finda,
que o olhar sonha quando a lembra, acesa,
e quando a esquece sonha mais ainda.
*Do Livro de Olinda, 1996
JACI BEZERRA, POETA DESTAQUE DA SEMANA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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Rating:
Belo,belo.
ResponderExcluirUm grande poeta. O DCP ligado no melhor da literatura pernambucana. Abç
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