ENTREVISTA COM O POETA CARLOS ALBERTO JALES
Por Maria de Lourdes Hortas
“A poesia está presente no que eu escrevo e
produzo intelectualmente.
Jamais considerei a poesia um diletantismo, uma
atividade para o tempo
de ócio e lazer. Na vida de um poeta, mesmo que
ele exerça muitos
saberes, a poesia é o núcleo que orienta sua
vida”.
Poeta Carlos Alberto Jales/Foto: Reprodução
Com
exclusividade para o site Domingo com
Poesia, a colunista e poeta luso-brasileira Maria de Lourdes Hortas entrevista o poeta potiguar Carlos Alberto Jales.
Nascido em Natal,
onde estudou o primário e o ginásio, vive atualmente em João Pessoa. No Recife
concluiu o segundo grau e se graduou em filosofia, para então ganhar o mundo:
Itália, França, Inglaterra, Estados Unidos. Nesses países estudou ciências
ligadas ao desenvolvimento econômico e social: antropologia, demografia,
sociologia, planejamento, pesquisa. Possui graduação em Licenciatura em
Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco (1966), graduação em
Bacharelado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (1986),
mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1980) e doutorado
em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2000). Atualmente
é professor do Centro Universitário de João Pessoa-Unipê. Professor Associado ,
aposentado da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de
Filosofia, com ênfase em Política e Educação.
Autor dos
livros de poesia: Inventação das horas; Áspero Silencio; Vindimas
da Solidão Palavra submersa, no prelo: Chão Lavrado. Além dos
livros didáticos educacionais: Janela aberta para o mundo; Educação
admirável do Mundo Velho; Antropofilosofia da Educação; Filosofia
da educação no curso de Pedagogia.
Maria
de Lourdes Hortas
- Carlos Jales, você nasceu em Natal (RN),mas vive há algum tempo em João
Pessoa (PB). Culturalmente a qual dessas duas capitais você se sente mais
ligado?
Carlos
Alberto Jales
- Eu vivo mais tempo em João Pessoa do que em Natal, onde nasci. Em João Pessoa
sou casado com uma pessoense e tenho morando aqui dois dos três filhos, trabalhei
por 40 anos entre o Estado (Secretaria da Educação) e como professor na
Universidade Federal da Paraíba além de Pró-Reitor, conselheiro do Consepe e
Consuni. Aqui também recebi o título de Cidadão Paraibano. Mas é em Natal que
estão minhas raízes: família, parentes, amigos. Eu amo essas cidades com igual
fervor.
MLH - Poeta, você
na verdade é um homem do mundo. Viveu em várias cidades da Europa, sobretudo na
França e na Itália, conhece bem as várias culturas de muitos séculos. Como vê a
cultura brasileira em relação ao resto do mundo?
CAJ
-
Na verdade, como estudante de Pós-Graduação, eu conheci muitas cidades
europeias: Paris, Roma, Londres, Madri, Bruxelas, Amsterdam, Dublin. Estudei
também nos Estados Unidos, na Universidade de Athens. Conheci muitos modos de
viver, tanto, tanto na Europa, quanto aos Estados Unidos. Ah! Sim! Fiz também
uma viagem á África do Norte, onde entrei em contato com essa região do mundo
Islâmico. Eu vejo a Cultura Brasileira de modo positivo, considerando que somos
um país relativamente jovem, mas já com destaque em muitos setores: música,
arquitetura, literatura, especialmente a poesia. Temos muito que aprender
sobretudo com a Europa, mas o mundo também tem muito a aprender com o Brasil,
sobretudo no que diz respeito á mestiçagem, como já mostrou a obra monumental
de Gilberto Freyre.
MLH - A sua
formação é vasta e passa por várias áreas: Filosofia, Política, Educação... Dentro
dessa multiplicidade de conhecimentos, onde se situa o poeta? Está sempre
presente, ou guarda-o para momentos de ócio?
CAJ - A poesia
está presente no que eu escrevo e produzo intelectualmente. Jamais considerei a
poesia um diletantismo, uma atividade para o tempo de ócio e lazer. Na vida de
um poeta, mesmo que ele exerça muitos saberes, a poesia é o núcleo que orienta
sua vida. Ao fazer poético acontece em momentos de inspiração os mais diversos,
e está entranhado em todas as atividades em que ele se envolve.
MLH - A poesia
sempre esteve dentro de você, ou surgiu em dado momento de sua vida?
CAJ- Acredito que
a poesia esteve sempre dentro de mim, mesmo que eu não tivesse consciência
disso. Mesmo quando escrevia redações escolares, o meu texto já revelava um
lirismo que seria o fundamento da minha poesia. Primeiro li muito bons autores
e na fase mais amadurecida comecei a escrever.
MLH
-
Para você, existe alguma fronteira entre poesia e prosa?
CAJ - Existe sim,
embora esta fronteira não os torne inimigas isto porque pode existir na prosa
um traço poético. Como bom exemplo disso, temos os romances de José de Alencar que frequentemente são
prosas poéticas... Uma das grandes características da Poesia é o ritmo,
enquanto na prosa, o princípio fundamental é a narração e quase sempre uma
narração que chega a um fim. O Poema é uma construção sempre inacabada, pois a
lógica não preside suas leis. A poesia, no dizer do poeta português Alberto Machado: “é uma confissão pública”, enquanto para a poetisa Lara de Lemos: “Poeta é aquele que conseguiu expulsar seus demônios”. Para mim
seria uma catarse contínua.
MLH
-
Está escrevendo algum livro no momento?
CAJ - Estou com
um livro pronto, em fase final esperando a normalização dos serviços
editoriais. O título é “Chão lavrado”. Além desse, escrevi estes outros
títulos: Inventação das horas, Áspero Silêncio, Vindimas
da solidão e Palavra
submersa. Publiquei esses livros num espaço de 36 anos, certamente por
causa de um certo perfeccionismo que me persegue quando escrevo qualquer coisa.
MLH - A sua
poesia é extremamente reflexiva e filosófica. Por vezes há nela um certo tom de
melancolia, ou, diria mesmo, de desilusão. Como poeta, Carlos Jales vê este
momento atípico e doloroso que o mundo inteiro atravessa?
CAJ - Eu
reconheço que minha poesia tem um tom carregado de melancolia, mas não de
desespero, embora eu diga sempre que a poesia é uma arma com que enfrento o meu
desespero lúcido. Mas certamente minha produção tem influência de vários
poetas: Olavo Bilac, Cruz e Sousa, Alphonsus Guimarães Filho, Cecília
Meireles, Henriqueta Lisboa, Da Costa e Silva, Edmir Domingues, Mauro Mota,
Carlos Penna Filho, Fernando Pessoa, Francisco de Carvalho e tantos outros. Mas certamente o poeta que
mais me inspirou foi meu irmão mais velho, Jalles
Costa, que me introduziu ao mundo literário mal eu tinha sido alfabetizado,
no mundo encantado da poesia, sendo ele mesmo um grande poeta. Talvez eu possa
me definir como um cético sem ilusão, mas como cético que acredita na redenção
pela palavra. Como um cético sem ilusões, vejo que o mundo e com ele a
sociedade será sempre um lugar de lutas e desencontros. As religiões existem
para nos dar a esperança, o desejo de olharmos para o outro.
Acredito que Filosofia não se confunde
com poesia, pois ambas buscam coisas diferentes. A poesia trabalha com a
palavra, enquanto a Filosofia lida com as interrogações.
MLH - Qual a sua
motivação para escrever pois acredita em alguma espécie de dom ou de
inspiração?
CAJ - A motivação
para escrever eu encontro na própria vida e nas perguntas fundamentais que o
ser humano faz: vale a pena existir? O que é o tempo? O que é o amor? A
dimensão na qual existimos será tudo? Ou haverá outra realidade pós-morte?
Talvez no fim de tudo “a poesia seja uma
arma”, como afirmou o poeta português Antônio
Gedeão . Uma arma para lutar contra todas as incertezas.
MLH - Como
pensador e escritor, vê algum futuro para a poesia neste século? Sei que você
não se utiliza das redes sociais. Por quê? Não considera válidas as ferramentas
virtuais como divulgação da literatura? E o E-book?
CAJ - Na minha
percepção, a poesia nunca desaparecerá, porque o homem será sempre um ser
inquieto, que não se contenta apenas com aquilo que vê e ouve. Enquanto o
homem, uma criatura romântica cultivar o lirismo, a poesia existirá. A poesia e
o livro, duas conquistas perenes da humanidade.
Considero inteiramente válidas as
ferramentas virtuais como divulgação da cultura. O mundo caminha, e nós não
podemos parar. No meu caso, houve um motivo muito forte para eu não dominar o
mundo digital. É que minha mulher Otaviana,
é uma pessoa altamente competente no mundo virtual. É ela quem digita e formata
a minha produção, é ela quem ilustra os meus textos. E confesso aqui que me
acomodei e hoje sou totalmente dependente dela. Mas hoje me arrependo desta
posição intransigente, e estou esperando me recuperar de um problema na visão
para me iniciar neste mundo encantado e abrangente: Antes tarde do que nunca.
Toda forma de divulgação da cultura é
ótima, e embora eu prefira ler um bom livro no papel, é claro que o E-book é
também um excelente canal para tomarmos conhecimento das conquistas e produtos
da cultura e da ciência.
Caríssima Lourdes Hortas, sou muito grato pela oportunidade que me
proporcionou para que eu falasse um pouco da minha visão de poesia em
particular e da cultura em geral. Sou um poeta meio arredio e parece que só me
sinto bem na solidão fecunda. Uma solidão povoada de amigos como você, uma
poeta de muita envergadura, dona de um lirismo abissal. Grato por ter me proporcionado
esta entrevista.
Penso que estes três poemas que
seguem, representam o conjunto da minha obra poética... Antes de apresentar os
poemas, quero me referir ao poeta Tasso
da Silveira, autor paranaense, dono de uma dicção que abarca a existência na
sua totalidade. É lamentável que Tasso
da Silveira seja um exilado no seu próprio país.
TRÊS POEMAS DE CARLOS ALBERTO JALES
Retrato de
homem
O homem não cabe no
seu peito,
nem no seu sonho,
não cabe mesmo na sua
solidão.
Em nenhuma parte do
mundo,
o homem cabe.
Porque seus pés têm
jeito de raízes,
mas seus olhos
lembram a cada instante
as asas de um pássaro
Poema com
sabor de paz
Dos pássaros herdamos
a simetria do voo,
a busca de
horizontes,
e migalhas de pão.
Só esquecemos que
os pássaros não fazem
guerra,
e voam em bando,
solidários.
Poética
Disseram-me que
a poesia é inútil,
olhei pela janela e
vi um beija- flor.
Pensei:
um beija -flor é
inútil,
um beija- flor é
muito inútil,
Um beija-flor é
completamente inútil.
ENTREVISTA COM O POETA CARLOS ALBERTO JALES
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
23:52
Rating:
Agradeço ao poeta Carlos Jales pela honra e alegria que me deu concedendo-me esta entrevista.
ResponderExcluirMuito lúcida a entrevista. Parabéns ao entrevistado e a nossa querida entrevistadora.
ExcluirExcelente entrevista.
ResponderExcluirPoeta maravilhoso!
ResponderExcluirSou fã!
Flávia ������
Que sempre exista a "poesia inutil"
ResponderExcluirQue sempre exista orvalho
Que sempre exista o nascer do sol
Que sempre exista poeta
Que sempre exista a poesia inútil
ResponderExcluirQue sempre exista o orvalho
Que sempre exista o nascer do sol
Que sempre exista poeta
Olá, Domingo com Poesia! Excelente entrevista! Neste ano que nos falta beleza aos olhos, reuni todas poesias que estavam guardadas em um ebook. É só clicar aqui para conhecer: https://bit.ly/abacaxielibelula
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