ENTREVISTA COM O ESCRITOR ANTÔNIO TORRES
Por
Diego Mendes Sousa
“Quando olho para trás, o que vejo é o melhor
lugar para um escritor ter nascido. Pois do meio agrário e ágrafo de onde vim o
que não faltava era contador de histórias ao pé de um fogão de lenha, para
espantar o medo em noites cheias de fantasmagorias. Era como se as carências do
nosso cotidiano nos levassem ao reino da fabulação.”.
Foto: Guilherme Gonçalves / ABL
(09/04/2014)
A 13 de setembro de 1940, nascia o
romancista Antônio Torres na cidade de Sátiro Dias, na Bahia. Neste ano de
2020, comemoram-se os seus 80 anos de vida, coroados pela apresentação de um
novo enredo ficcional, intitulado Querida
Cidade, que sairá nos próximos meses pela Record, casa editorial desse gabaritado Escritor.
Com exclusividade para o Domingo com Poesia, o poeta piauiense
Diego Mendes Sousa dialoga com o universo literário de Antônio Torres, imortal
da Academia Brasileira de Letras (ABL), onde é o sétimo ocupante da emblemática
Cadeira 23. Autor seminal, detentor do Prêmio Machado de Assis da ABL (2000),
pelo conjunto da obra, além de um dos galardoados com o Prêmio Jabuti de ficção
(2007), por melhor romance.
Antônio Torres publicou Um cão uivando para a lua (1972); Os homens dos pés redondos (1973); Essa terra (1976); Carta ao bispo (1979); Adeus,
velho (1981); Balada da infância
perdida (1986); Um táxi para Viena d’
Áustria (1991); O Centro das nossas
desatenções (1996); O cachorro e o
lobo (1997); O circo no Brasil
(1998); Meninos, eu conto (1999); Meu querido canibal (2000); O nobre sequestrador (2003); Pelo fundo da agulha (2006); Sobre Pessoas (2007); Minu, o gato azul (2007) e Do palácio do Catete à venda de Josias
Cardoso (2007).
Seus livros estão traduzidos em
diversos idiomas e espalhados por mais de vinte países do mundo, como
Argentina, Alemanha, Bulgária, Croácia, Cuba, França, Estados Unidos,
Inglaterra, Itália, Portugal, Espanha, Holanda, Paquistão, Vietnã, Israel e
Romênia.
Testemunha Antônio Torres, que sua
imaginação criativa flui do onírico. É através do sonho, que o enredo dos seus
escritos e o fio condutor dos seus temas afloram em simbologias ficcionais.
Em uma conversa franca, aberta e
direta, Antônio Torres abre o seu baú de imagens, memórias, caminhos e
esquecimentos, sem jamais se afastar do compromisso com a realidade brasileira.
Histórico e humano, Antônio Torres reconta a sua infância, faz retratos com os
seus pares, fala dos seus projetos, revela os seus sentimentos, mas antes dispara:
“Quer dizer, ia, até entrar nesse tempo
em suspenso, no qual tudo ficou imprevisível.”.
Foto: Guilherme Gonçalves / ABL
(09/04/2014)
Diego
Mendes Sousa - Em setembro de 2020, será comemorado os 80 anos do seu
nascimento. Como é saber-se reconhecido em um país de poucos leitores?
Antônio
Torres
- Pertenço a uma geração bem lida, bem criticada, bem estudada, bem traduzida,
muito viajada. E que vai da Porto Alegre de Moacyr Scliar, à Manaus de Márcio
Souza, passando pelo Paraná de Domingos Pellegrini Júnior, São Paulo - com
Ignácio de Loyola Brandão e João Antônio -, o Rio de Nélida Piñon, Ana Maria
Machado e Sérgio Sant’Anna, as Minas de Oswaldo França Júnior, Ivan Ângelo,
Roberto Drummond, Wander Piroli e Luiz Vilela, a Bahia de João Ubaldo Ribeiro,
só para citar alguns casos exemplares - e de ficcionistas –, e nesses não pode
faltar outro gaúcho, nascido em Santana do Livramento, o meu saudoso amigo
Flávio Moreira da Costa.
Não me cabe dizer se estou ou não
entre os que tiveram o seu quinhão de reconhecimento. Ou melhor: entre os que
ainda o têm. Aqui e ali cruzo com alguém que me acena simpaticamente, e vou em
frente. Quer dizer, ia, até entrar nesse tempo em suspenso, no qual tudo ficou
imprevisível. Como a comemoração dos meus oitentões com o lançamento de um novo
romance chamado Querida Cidade, que a
Editora Record havia programado para agosto. Agora, “é a espera debaixo deste
céu descampado”, como está escrito em um romance de 1976, chamado Essa Terra.
DMS
- Em 2013, você foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Qual o significado
de estar na linhagem sucessória de Machado de Assis?
AT
-
Significa um legado histórico extraordinário. A cadeira 23 da ABL, fundada pelo
Bruxo do Cosme Velho – que a ocupou de 1897 a 1908 -, tem a seguinte linhagem
sucessória: 1 - Lafayette Rodrigues
Pereira, o conselheiro de D. Pedro II e autor de trabalhos jurídicos
notáveis, e que veio a dar nome à cidade em que nasceu, em Minas Gerais, e a
uma rua de Copacabana, na qual morou o poeta Carlos Drummond de Andrade. 2 - Alfredo Pujol, que foi um brilhante
jornalista e advogado, o primeiro a fornecer uma visão abrangente da obra de
Machado de Assis em 7 conferências publicadas em livro, hoje uma referência
necessária. 3 - Otávio Mangabeira,
um homem de letras que foi ministro do Exterior e governador da Bahia, tendo se
destacado por sua eloquência, habilidade política, dignidade e honestidade. 4 -
Jorge Amado, que dispensa
apresentação. 5 - Zélia Gattai, que
foi a companheira perfeita de Jorge, consagrada na literatura a partir da
publicação de Anarquistas, graças a Deus. 6 – Luiz Paulo Horta, o jornalista e escritor que viveu na música até
morrer, encontrando nela as portas da transcendência.
Pronto. Está dado o peso da
responsabilidade que me coube.
DMS
- O seu patrono é José de Alencar! Que importância tem essa confluência do
destino para sua formação intelectual?
AT- Agora você me
leva de volta a um lugar esquecido nos confins do sertão baiano, sem rádio e
sem notícias das terras civilizadas. Sem livros. Ali, em uma manhã ensolarada,
uma professora chamada Teresa pôs os seus alunos em fila, para que cada um
lesse em voz alta um trecho de uma Seleta
Escolar - que vinha a ser uma antologia de contos, crônicas, poemas e
pequenos capítulos de romance. Um desses trechos inundou a sala, fez o sertão
virar os verdes mares bravios da
terra natal de José de Alencar, onde
canta a jandaia, na fronde da carnaúba. O efeito dessa leitura foi
simplesmente fabuloso. À noite, viajei em águas, faunas e floras de sonho. Além
de não fazer a menor ideia de como era o mar, não conhecia a jandaia e a
carnaúba, nem de pluma, nem de folhagem, pois pertenciam a outras paisagens, e
distantes, como a do Ceará. Foi esse o primeiro impacto que as linhas iniciais
de um romance me provocaram, instalando-se como o lugar da imaginação, e aqui
se reinstalando como o da memória. Quem sabe aquela leitura em voz gaguejante
do começo de Iracema tenha sido o
marco zero do meu destino de romancista?
DMS - Como nascem as histórias das suas narrativas?
AT -
Às vezes, de alguma coisa no presente que me remete a uma situação vivida no
passado. Como em uma noite de sexta-feira, em São Paulo, para onde eu havia me
transferido do Rio de Janeiro, já casado com a Sonia, que me pediu para lhe
contar uma história da minha infância. Enquanto puxava pelas minhas memórias,
via sinais de enternecimento em seu rosto. No sábado, logo ao acordar, comecei
a escrever um conto, intitulado Segundo
Nego de Roseno – hoje incluído no livro Meninos,
eu conto -, e que viria a dar origem ao romance Essa Terra. Em outras vezes, meu inconsciente trabalhou por mim
enquanto eu dormia. Foi assim em Um táxi
para Viena d’Áustria, e no ainda inédito Querida Cidade, que nasceram de um sonho.
DMS - Aos 32 anos de idade, você estreou com o
livro “Um cão uivando para a lua” (1972). O que esse livro representa para a
sua trajetória enquanto escritor?
AT -
Lançado em uma quinta-feira em uma livraria de Copacabana, na segunda-feira
seguinte Um cão uivando para a lua
viria a ser saudado por Aguinaldo Silva, no jornal Opinião – um semanário de circulação nacional pra lá de bom – como “uma feliz estreia”. O entusiasmo do
Aguinaldo acabou levando praticamente toda a crítica a tomar conhecimento desse
livro, o que por sua vez puxou os leitores. Registre-se que eu não o conhecia.
E de lá para cá só o vi uma única vez, e de raspão, sem tempo para demonstrar a
minha gratidão pela porta gigantesca que ele abriu a um ilustre desconhecido
que adentrava a literatura sem qualquer apadrinhamento. A minha sensação é a de
que Um cão uivando para a lua foi
lançado no dia, mês e ano certos. Ou seja, deu sorte. O que, como dizia Jorge
Amado, todos precisamos. Portanto, muita sorte para os livros e seus autores.
DMS - Podemos considerar o romance “Essa Terra”
(1976) como a sua obra-prima?
AT
- Há controvérsias. Ana Maria Machado, por exemplo, lhe diria, como já fez de
público, que esse pódio é de O cachorro e
o lobo. Que dá sequência ao Essa
Terra, abrindo caminho para uma trilogia, fechada com Pelo fundo da agulha.
DMS - Conte-me sobre a sua vivência no Junco, o seu
torrão natal no interior da Bahia, e a relação com as imagens oriundas da sua
infância.
AT
- Quando nasci o Junco já se chamava Sátiro Dias. Era um distrito de Inhambupe,
no semiárido da Bahia, a apenas 210 quilômetros de Salvador, distância que
parecia enorme devido à precariedade da estrada para a sede do município, dali
a sete léguas, e a ausência de qualquer meio de comunicação, a não ser o
correio, que chegava de oito em oito dias, no lombo de um burro. Hoje, é uma
pequena cidade tão interligada ao mundo quanto qualquer outra de maior porte.
Quando olho para trás, o que vejo é o melhor lugar para um escritor ter
nascido. Pois do meio agrário e ágrafo de onde vim o que não faltava era
contador de histórias ao pé de um fogão de lenha, para espantar o medo em
noites cheias de fantasmagorias. Era como se as carências do nosso cotidiano
nos levassem ao reino da fabulação.
DMS - É sabida a sua admiração pelo poeta baiano
Castro Alves e a sua ambição, desde jovem, de ser poeta! O que lhe desvirtuou
do caminho poético?
AT-
Foi um professor do Ginásio de Alagoinhas, cidade a meio do caminho da capital,
quem me fez mudar de rumo. – Você se expressa melhor em prosa do que em verso –
ele me disse, baseando-se em uns exercícios de escrita que eu vinha publicando
em um jornalzinho feito pelos alunos que faziam parte do Grêmio
Lítero-Recreativo Castro Alves. Levei a sério aquela observação. Mas sem jamais
perder o meu fascínio pela poesia. A falta de talento para ela acabou me
empurrando para a ficção.
DMS - O jornalismo teve influência no seu processo
criativo? Os romances históricos nasceram desse olhar investigativo?
AT -
Além de jornalista, fui redator publicitário, com passagens por grandes
agências de São Paulo, do Rio e de Portugal, onde vivi três anos. E se o
jornalismo me ensinou a ver o mundo, a publicidade me ensinou a contar isso
rapidinho.
Foto: Guilherme Gonçalves / ABL
(09/04/2014)
DMS - Gosto muito do cronista Antônio Torres.
“Sobre Pessoas” (2007) foi um livro que me marcou sobremaneira. Quem são essas
pessoas?
AT -
São figuras célebres das letras, da música, do cinema, do esporte e da
História: Fernando Sabino, Glauber Rocha, Garrincha, Monteiro Lobato, Jorge
Amado, Faulkner, Jorge Luís Borges, Dalton Trevisan, Tônia Carrero, João
Saldanha, Tom Jobim, Miles Davis (todos os trompetes havidos e a haver),
Vinícius de Moraes, e muita gente mais, lendária ou não.
DMS - “Meninos, eu conto” (1999) é o seu único
livro de contos. Por que os romances predominaram no seu fazer literário?
AT -
Comecei escrevendo contos. O primeiro foi publicado em uma revista, em São
Paulo, e o segundo em um jornal do Porto, onde vivi um ano e meio. Perdi os
dois. A ideia inicial de Um cão uivando
para a lua era a de um conto centrado num louco a bater papo consigo mesmo.
Mas a história avançou e deu no que você sabe: uma dúzia de romances, com
apenas quatro contos pelo caminho. Três estão no livro Meninos, eu conto e o outro, que se intitula Atrás da cerca, foi publicado na antologia Malditos Escritores!, organizada por João Antônio, e também em
Cuba, na revista da Casa de las Américas, e, mais recentemente, em Portugal,
numa edição da Editora Teodolito com a Fnac, para o Dia Mundial do Autor. Sem
dúvida, minha produção de contos é pequena. Mas é possível que no futuro eu venha
a ser lembrado apenas pelo conto Por um
pé de feijão, incluído por Ítalo Moriconi entre os Cem melhores do século, e que não para de sair em livro didático,
além de ter sido escolhido pelo Ministério de Educação da França, em 2015, como
prova do “Agrégation”, concurso para professores de língua portuguesa nas
escolas francesas. Quelle surprise!
DMS - Seus livros estão traduzidos em diversos
idiomas. A que você atribui esse sucesso editorial no exterior?
AT -
Tenho romances e contos publicados em mais de vinte países, o que não significa
sucesso editorial no exterior. Meu finado amigo Carlos Heitor Cony definia à
perfeição o espaço conquistado pelos escritores brasileiros lá fora: um sucesso de estima. O que já é bom,
diga-se. Pior seria se nem isso tivéssemos. Só Jorge Amado, ao seu tempo, e
Paulo Coelho, no presente, foram além disso. Muito além, reconheça-se.
DMS - Se lhe fosse dada uma oportunidade de um
reinício literário, o caminhar seria o mesmo?
AT -
Não dá para me ver reiniciando pela mesma trilha. Até porque ao longo da
caminhada venho pegando atalhos variados, ao passear por cenários urbanos,
rurais e da História. O que virá daqui pra frente? Aguardemos o próximo
capítulo.
(Diego Mendes Sousa e Antônio Torres, na Feira do
Livro do Paraná, em 2013, onde palestraram sobre literatura, meses antes da
Posse de Antônio Torres, na Academia Brasileira de Letras, em 2014, em que foi
recepcionado pela escritora Nélida Piñon).
ENTREVISTA COM O ESCRITOR ANTÔNIO TORRES
Reviewed by Natanael Lima Jr
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12:18
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Parabéns a Diego Mendes e ao DCP por ezta excelente entrevista a um grande mestre da literatura brasileira.
ResponderExcluirAgradecemos querida poeta, parabenizo tb o seu ensaio. Excelente.
ExcluirÉ sempre bom ler o que Antônio Torres escreve ou fala. Parabéns aos dois (entrevistado e entrevistador).
ResponderExcluirDeliciosa entrevista. Antônio Torres caminhando por sua obra e fabulações, conduzido pelas questões do estudioso poeta Diego Mendes de Souza.
ResponderExcluirDescontraída como um bate papo a tardinha, com a Ema mugindo longe, galinhas ciscando o terreiro e pequenos pinhés circulando rasante espreitando pintos. Entre um parágrafo e outro, a lapada e uma raspada de guéla. Chega aos ouvidos vindo do alojamento dos peões o pinicado da viola. A prosa da lugar aos suspiros.
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