A EXPLOSÃO DA INVENTIVIDADE OU A RAZÃO DO DELÍRIO EM CARLOS NEJAR
por Diego Mendes Sousa*
Carlos Nejar (1939-) acabou de publicar um novo romance
intitulado “A explosão” (Editora
Prime, 2019). A narrativa traça os caminhos de Jordana Duarte, personagem bombardeada por sua própria imaginação!
Em
doze capítulos amalgamados aos pensamentos de Picasso, Céline e Celan, Nejar
escreveu um dos mais belos ensaios sobre o delírio da razão. Digo ensaio,
decerto me contradizendo, já que, apesar de ser o livro uma lúcida trama
romanesca, a obra traz experimentos inéditos sobre o fogo da criação. Expressa
Longinus, na epígrafe: “O que não explode
mais, é porque se encantou.”.
Tudo
aqui é encantamento: “E o homem para não
acabar a infância, começa a envelhecer.”.
A
fantasia de Jordana Duarte é preenchida de muita sabedoria: “As coisas não sabem ser coisas, antes de
serem palavras.”. O narrador vai tecendo um formidável emaranhado de
aforismas que contaminam as ilusões de Jordana: “O vento não sabe ser vento, antes de ser árvore.". Ou ainda: “A vida não sabe ser Vida, antes de ser
morte.”.
Reconheço
o vigoroso signo de inventividade dos textos de Carlos Nejar. Seu nome anuncia,
antes de qualquer leitura, a força de um clássico. Perdura no tempo, porque o
notável demiurgo gaúcho escreve com natalidade, sua escrita possui berço,
abraçada fielmente pela vocação.
É
assustador o seu poder de fantasia e de quimera. É também alarmante o imponente
futuro das palavras no corpo viçoso da sua linguagem, afeita à posteridade.
Carlos
Nejar aparece em “A explosão” como um servo do Verbo. A sua intimidade com Deus
constitui voragens inteiras de muito deslumbramento: “E a imaginação pesa, pesa como a pata de um leão. Tudo é
contemporâneo. Sistema nervoso, o universo e Deus pesa de amor! Atrás de
arbustos de neblina, corvos, corvos crocitam.”.
Identifico
como performance mais elevada do romance o “capítulo
sétimo”. De um só fôlego, Carlos Nejar pontua e sustenta por sete páginas,
de maneira cabalística e inimaginável, um único parágrafo, com o rastilho
sublime de um mago, que sabe mover brilhantemente o arcabouço das metáforas, em
uma prosa poética única, consagradora e eviterna.
No
“capítulo décimo”, encontro uma joia de rara composição: “Se a imaginação é um conhecimento progressivo e incapaz de ser
vencido, o sonho é indestrutível.”.
“A explosão”
é uma peça sobre o sonho, onde imaginar pode ser também adivinhar, fantasiar,
inventar, criar, conceber et cetera e a estória consiste ainda em um autêntico
alento de vidência, em que os símbolos murmuram a cintilância da poesia: “Só é definitivo o que se inventa. O resto
vai no imaginado.”.
A
fábula em “A explosão” é um absinto
perolado, com prodigiosa clareza, um labirinto de viagens que estonteiam o
leitor.
Com
a genialidade que lhe é peculiar, Carlos Nejar atmosfera os enigmas do tempo,
com sonho e visão.
Poeta
que nunca dorme, e quando tal, ergue-se de um susto. A sua ficção flutua
predestinada aos plurais transcendentes de todos os significados: “Os sonos não se compensam! Só o tempo. –
Sim, vivemos de apressar o tempo e depois apagá-lo.”.
*Diego Mendes Sousa é poeta piauiense, amante das iluminações poéticas
de Carlos Nejar e seu zeloso escudeiro.
FRAGMENTOS DO ROMANCE DE CARLOS NEJAR ESCOLHIDOS
POR DIEGO MENDES SOUSA
Jordana
Duarte queria conhecer Deus e não conhecia ainda. Não aceitava que a devorasse
e Deus não é isso. Deus captura. Na quietude quem sabe haveria de alcançar
Deus. E para Jordana a imaginação era capaz de gerar o que existe no mundo,
menos Deus. Era como se pertencesse à imaginação. Nada tinha a ver com a
lógica. E a maior dificuldade com a matemática: - Os números me torturam –
desabafava. (pág. 27).
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O humano
não é voz, é grito. E tem procedência dos arcanos. O mais humano começa no
divino. E há de ter uma ave gorjeante no cabo de onde calam os murmúrios, vindo
com a primeira água do rocio. Jordana desanimava diante do lavabo das razões,
por não servirem para nada. (pág. 35).
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As coisas
não indagam por um nome, Jordana! Não precisam ter nome nenhum, por existirem
antes. E alguém as nomeou. Ficaram presas a esse amor. E reconheço: só o nome
sobrevive. Às vezes nem ele. Apenas a sombra o reteve.
Jordana
pressentia. Ninguém escolhe a própria morte, a morte que nos escolhe. Nossa
vontade não conta. E vem por onde se domina. Ou por onde menos se espera. E não
faz cerimônia. Perdeu de nascença a voz. Perdeu o juízo. Morre quando mata.
(pág. 47).
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Amor não
desamarra palavra, amor é palavra que não se desata. (pág. 51).
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O que é
silêncio estanca o que não é, manando água pura. E as pessoas não se exprimem,
curvam-se como grutas. O silêncio grande é o que resvala de um corpo a outro. A
palavra para brotar carece de ser podada. Por dentro, igual ao tonel de um
túnel. E o que se estima vai com os passarinho. (pág. 55).
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- Que
objeto de valor tem o morto? – alguns indagavam.
- O peso
dele mesmo. (pág. 62).
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O que é
vivo tem palavra. Não se gasta. O que é nosso, fica por perto. O que não é, a
brisa desfaz. (pág. 69).
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Jordana
Duarte dava, morosa, sombra na fala e fala na sombra, dava cria de alma na
palavra, ao riscar o círculo no pátio. Era o universo. Jordana falou a palavra,
falou a natureza, tateando luz nos metros de sombra, tateando dentro. Até que
no escuro a luz se fez desnecessária. E deu lugar às estrelas por debaixo
daquele firmamento. E o rugido da eternidade, quebrando o invólucro. E não há
mais invólucro no espírito, para que possa a tudo absorver. Ou consumir. E a
felicidade é perigosa, insolente. Não vem da concentração, vem do descuido.
(pág. 91).
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Citei a
humanidade em Jordana Duarte. Ela se enchia de lenha e avivava-se na chama. O
que era de humano nela se depurava, como em fornalha. Ou a fornalha era o sono.
E como queimava! Nada é sozinho. O que tememos que se acabe, já se acabou.
(pág. 96).
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Ao
despertar de manhã, diferente das vezes anteriores, Jordana Duarte foi atacada
de tristeza. Deus doía muito nela. E quanto mais O buscava, mas se afastava.
Não era por dizer sobre si, o que não diria nunca, era o buraco da ausência, um
buraco no cosmos, o buraco do coração roído, o buraco de não ver sentido sem
Ele. Ou pensava talvez que já estivesse morta no buraco informe dessa tristeza.
Como um bicho, um bicho e todos os bichos se parecem. E os destroços se
assemelham. Mas era desafiadoramente humana. (pág. 100).
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(...) O amor não sabe nada, mesmo quando desampara.
(...) (pág. 107).
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Ao andarem
na floresta, Tude e Jordana viram dois bem-te-vis voando. E Jordana falou: -
Observa como os dois pássaros estão felizes! Tude surpreso: - Como sabes, se
não és um pássaro?
- Tenho um
pássaro dentro de mim. Mas como sabes que não sei?
- Tens um
pássaro, minha querida, mas não voas.
- O espírito
tem asas, o corpo não.
E Tude:
- Cada um
é o que vê!
Se o homem
é a imaginação que pensa, Jordana Duarte não pensava a imaginação, era pensada
por ela. A ponto de rebelar-se, como pressentia. Igual a uma agulha que faz ir
vazando, aos poucos o pensamento. Ou é descarga de um trovão no chapéu do
monte. Quem tem ouvidos nos olhos, veja. (pág. 140).
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E o tempo
não andava: tinha os pés na cabeça. E debaixo da névoa, apenas Tude viu a
imaginação de Jordana Duarte rebentar em série. De amor explodiu. E ela pereceu
soterrada dentro da imaginação. Quando tudo parecia estar na maior normalidade.
(pág. 152).
Carlos Nejar e Diego Mendes Sousa
Foto: Reprodução
A EXPLOSÃO DA INVENTIVIDADE OU A RAZÃO DO DELÍRIO EM CARLOS NEJAR
Reviewed by Natanael Lima Jr
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