ORAÇÕES PARA VAGALUMES – PARTE 1 (CONTO DE FERNANDO FARIAS)
Uma nova experiência no site Domingo com Poesia. Nosso colaborador Fernando Farias escreveu um
conto que será apresentado em três partes. A cada semana um trecho do
interessante ORAÇÕES PARA VAGALUMES. Realismo fantástico puro. Um deleite!
ORAÇÕES
PARA VAGALUMES – Parte 1
Fernando Farias
Img.: reprodução
Esta
história é baseada em fatos reais. Acredite. Compre uma vela e deixe ao lado de
sua cama.
Quando
completei 20 anos começou a nascer um rabo de jacaré na minha bunda.
Eu
morava numa pequena cidade no sertão. População pobre e religiosa, dividida
entre o comando do padre e de um pastor evangélico. Alguns espíritas liam a
doutrina escondidos. De resto vida provinciana e calma como as vacas.
Foi
quando minha tia, já velhinha, me chamou para me ensinar os segredos das
orações milagrosas que ela curava os doentes. Minha tia era famosa rezadeira.
Eu
não acredito em rezas, mas escutei, decorei, e descobri que o curandeiro
realmente tem um segredo que não está nas orações, nem muito menos nas palavras
que profere. Nem imagine que são milagres de algum santo ou auto-sugestão. Mas
realmente cura.
Talvez
eu conte a verdade a você. Como fazem os advogados.
Eu
via a tia Benildes sempre de vestido preto, de mangas compridas, num luto
eterno. Arrastava sandálias e fumava cachimbo. Um cheiro de vaselina perfumada
nos cabelos.
Na
mesma semana que ela revelou os segredos das orações, começaram as dores. Achei
antes que era dores de coluna, e o rabo foi se desenvolvendo.
Tia
Benildes fez uma reza e disse que não seria nada grave, apenas um rabo. Que
para cada dom que se aprende a natureza pede sacrifícios. Se eu deixasse de
ajudar as pessoas o rabo cresceria.
Ela
queria que eu não seguisse o mesmo caminho das minhas irmãs que foram para as
cidades do Sul trabalhar nas bucetarias. A mais velha atraia os ricos
fazendeiros, cobrando as bucetadas pela cotação do preço do café. Ficou rica e
foi à falência num surto de sífilis que arrasou os puteiros paulistas. Ao mesmo
tempo em que uma praga atribuída a Deus se alastrou nas lavouras. Dizem foi
mandinga do padre.
De
inicio as médicas estranharam o formato de um possível tumor saindo de minha
bunda. Apenas minha mãe sabia o que se passava. Pedi segredo da anomalia. Minha
mãe saiu contando para os vizinhos, mas como ela sempre dizia que falava com as
almas das árvores, e ninguém acreditou.
Meses
depois minha tia faleceu. E foi no hospital que se descobriu que tia Benildes
tinha a vagina na axila. Caso quase raro. Faleceu com 90 anos, sempre fiel ao
marido que foi comido por abelhas enquanto dormia.
O
rabo de jacaré cresceu. Mas eu conseguia mantê-lo escondido à medida que se
espalhava a minha fama de boa rezadeira. Comecei a rezar de graça, depois
aceitando uma pequena ajuda até começar a cobrar. Assim como fazem as putas.
Minha sobrevivência eram as orações, meu trabalho curar as pessoas que faziam
filas em minha casa.
Vagalumes.
Sempre que eu curava alguém surgiam vagalumes em volta, quando eles não
apareciam era sinal que a oração não fizera efeito. Muitos morriam logo. Mas eu
avisava a eles, mandava comprar velas e deixar ao lado da cama. Sempre se pode
precisar.
Eu
vivia o drama de não acreditar nas rezas, entendia que eu não tinha estes
poderes. Odiava ter que viver destas crenças sobrenaturais e da ignorância das
pessoas. Mas elas me diziam que estavam curadas.
Desde
cedo formavam filas. Muitas crianças. Dores de mulher, carne triada, que é o
nervo torcido, a espinhela caída, peito aberto, bucho virado, calores noturnos,
mal de sete dias, lumbago e pau mole. As orações curavam tudo, menos as dores
de dente. Algumas me reclamavam que tinham o sistema nervoso.
Quando
me disseram que o homem tinha chegado à Lua não acreditei. Invenção deste povo
da rádio. As guerras continuavam nos orientes e até nasciam cabras de duas
cabeças.
Um
soldado da polícia que apareceu na cidade, dizendo-se neto e herdeiro da
valentia de Lampião, se apaixonou por mim. Queria casar, era bonito, alto, mas
com a voz de pato rouco. Eu caia na gargalhada ao escutá-lo.
Foi
a primeira vez que vi um homem violento. Não aceitou o meu não. Eu já sentia
que nunca casaria. Bateu varias vezes em minha cabeça com um cassetete.
Aprendi
que as rezas não servem apenas para curar. A viatura da polícia virou na
estrada, decepou a cabeça do pato rouco. A casa se encheu de vagalumes e mandei
velas para ele.
CONTINUA NA
PRÓXIMA SEMANA
ORAÇÕES PARA VAGALUMES – PARTE 1 (CONTO DE FERNANDO FARIAS)
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
06:00
Rating:
Aguardando próximo episódio 😍 leve, muito divertido...
ResponderExcluirSabe criar expectativas.
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