O ÍNDIO ENGANOU PIAGET II

Por Frederico Spencer*





Foto: reprodução/internet




A cena acontece como em qualquer comunidade indígena: crianças livres correm, pulam no rio, inventam brinquedos. Brincam com a terra e a água, bebem do rio, dormem ao relento nos dias de festa e aprendem com os mais velhos através das histórias de seus antepassados. Com as lendas, contadas por trás das chamas de uma fogueira que queima o frio – sonham. No seu dia a dia experimentam a realidade através das experiências vivenciadas pelas brincadeiras construídas do seu cotidiano. Assim, dormem ao final do dia, sonhando com o nascer de outro sol.

O adulto da aldeia participa das brincadeiras - qual criança no carretel leve do dia. Ensina as obrigações da vida aos pequenos, tais como: caçar, pescar e até a arte da guerra, esperando que os menores entendam que esta pode acontecer até pelo peixe do dia. Assim, os conhecimentos vão sendo passados pelas gerações de acordo com a brincadeira da hora, inventadas e compartilhadas por todos da aldeia.

Em seu processo de aprendizagem, a criança indígena cresce vivenciando sua relação intrínseca com a natureza. Nessa integração, o tempo não é cronológico, mas passional, entre o ser que a vivencia e o objeto de desejo que se faz através do imaginário e, pela estética, mediada pela busca da satisfação das necessidades de sobrevivência. Na aldeia tudo é experimentado, tudo é aprendizagem. Sem os rótulos da razão, aprende-se comendo a caça e a pesca da fome do dia.

Ao índio pequeno, não lhe é cobrado que constitua seu modo de pensar e construir o mundo através de sua idade cronológica, mas pela vivência de sua cultura. Seu tempo é o de sua resposta aos estímulos recebidos através das lendas, das brincadeiras, dos modelos das práticas dos mais velhos, dessa maneira, o índio pequeno vai se tecendo na prática da vida, fora do tempo dos relógios e das fórmulas mágicas de aprendizado.

Ao menino urbano, oferecemos fórmulas compactadas de aprendizado, de acordo com sua idade. Em seu processo de aprendizagem são oferecidos conteúdos formatados pela cultura de consumo de massa, oriundos da ideologia de mercado. Ideologia esta, imposta através das campanhas de publicidade, dessa maneira, são construídos os desejos de mundo da criança moderna.

Mais do que um modelo de olhar e interagir com o mundo, essas duas culturas divergem no modo de sua construção. Uma é constituída pelos mitos e lendas que povoam o imaginário coletivo, voltada exclusivamente ao respeito à natureza, ao bem estar e à preservação dos valores culturais. A outra se valoriza pela perpetuação do conceito de mercadologização das relações, sejam essas pessoais ou de relação de mercado.

Diferentemente da letra da música dos TITÃS: “homem primata, capitalismo selvagem”, diria eu: capitalismo selvagem, homem primata, envolto em sua selva de plástico e antenas.






 *Frederico Spencer é poeta, sociólogo, psicopedagogo e membro da Academia de Letras do Jaboatão dos Guararapes. 
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