VINÍCIUS DA ETERNA PAIXÃO
Vinicius
de Moraes
(1913
– 1980)
O DCP vem nesta edição celebrar o dia do
nascimento do diplomata, dramaturgo, jornalista, compositor e poeta, Marcus Vinitius da Cruz e Melo Moraes
(nome de batismo), ou simplesmente do “poetinha” Vinícius de Moraes,
contrariamente ao que o apelido pode demonstrar, este se deu por motivo do lirismo
de seus belos sonetos. Dono de uma obra vasta, onde circulou pelo
cinema, teatro e pela música, afirmava, contudo, que a poesia era sua
verdadeira vocação.
Dentre sua produção literária,
destaca-se o seu primeiro livro O caminho
para a distância (1933), que surpreendeu os críticos devido seus 19 anos; o
livro de prosa/poesia Para viver um
grande amor (1962); e o Livro de
sonetos (1967), reunião de sonetos escritos ao longo de 30 anos pelo poeta.
Ganhou grande visibilidade na música popular no tempo da bossa nova, quando fez
parcerias com Tom Jobim, Chico Buarque, Toquinho e outros. Inquieto por
natureza, José Castello, autor do livro “Vinicius de Moraes: o Poeta da Paixão
- uma biografia” nos diz que “o poeta foi um homem que viveu para se ultrapassar
e para se desmentir”.
Desta forma o poeta Carlos Drummond de
Andrade, falava sobre o poetinha: "Vinicius é o único poeta brasileiro que
ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado
natural", "Eu queria ter sido Vinícius de Moraes". Diferente de
outros poetas, Vinícius de Moraes, não fincava raízes, escorria pela vida,
através do Uísque da fumaça de seu cigarro e os braços de suas amadas. O
escritor Otto Lara Resende o definia desta maneira: “Vinícius é um poeta em paz
com a sua cidade, o Rio. É o único poeta carioca”, mas ele dizia nada mais ser
que “um labirinto em busca de uma saída”.
Os editores
Dois poemas de Vinícius de Moraes
Pátria Minha
A
minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura
e vontade de chorar; uma criança dormindo
É
minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo
dormir meu filho
Choro
de saudades de minha pátria.
Se
me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não
sei. De fato, não sei
Como,
por que e quando a minha pátria
Mas
sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que
elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em
longas lágrimas amargas.
Vontade
de beijar os olhos de minha pátria
De
niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade
de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De
minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E
sem meias pátria minha
Tão
pobrinha!
Porque
te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria,
eu semente que nasci do vento
Eu
que não vou e não venho, eu que permaneço
Em
contato com a dor do tempo, eu elemento
De
ligação entre a ação e o pensamento
Eu
fio invisível no espaço de todo adeus
Eu,
o sem Deus!
Tenho-te
no entanto em mim como um gemido
De
flor; tenho-te como um amor morrido
A
quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem
dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta
sala estrangeira com lareira
E
sem pé-direito.
Ah,
pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando
tudo passou a ser infinito e nada terra
E
eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos
me surpreenderam parado no campo sem luz
À
espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que
eu sabia, mas amanheceu…
Fonte
de mel, bicho triste, pátria minha
Amada,
idolatrada, salve, salve!
Que
mais doce esperança acorrentada
O
não poder dizer-te: aguarda…
Não
tardo!
Quero
rever-te, pátria minha, e para
Rever-te
me esqueci de tudo
Fui
cego, estropiado, surdo, mudo
Vi
minha humilde morte cara a cara
Rasguei
poemas, mulheres, horizontes
Fiquei
simples, sem fontes.
Pátria
minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro
não; a minha pátria é desolação
De
caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E
praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que
bebe nuvem, come terra
E
urina mar.
Mais
do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma
quentura, um querer bem, um bem
Um
libertas quae sera tamem
Que
um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta
que serás também”
E
repito!
Ponho
no vento o ouvido e escuto a brisa
Que
brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria
minha, e perfuma o teu chão…
Que
vontade de adormecer-me
Entre
teus doces montes, pátria minha
Atento
à fome em tuas entranhas
E
ao batuque em teu coração.
Não
te direi o nome, pátria minha
Teu
nome é pátria amada, é patriazinha
Não
rima com mãe gentil
Vives
em mim como uma filha, que és
Uma
ilha de ternura: a Ilha
Brasil,
talvez.
Agora
chamarei a amiga cotovia
E
pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que
peça ao sabiá
Para
levar-te presto este avigrama:
“Pátria
minha, saudades de quem te ama…
Vinicius
de Moraes.”
Poema de Natal
Para
isso fomos feitos:
Para
lembrar e ser lembrados
Para
chorar e fazer chorar
Para
enterrar os nossos mortos —
Por
isso temos braços longos para os adeuses
Mãos
para colher o que foi dado
Dedos
para cavar a terra.
Assim
será nossa vida:
Uma
tarde sempre a esquecer
Uma
estrela a se apagar na treva
Um
caminho entre dois túmulos —
Por
isso precisamos velar
Falar
baixo, pisar leve, ver
A
noite dormir em silêncio.
Não
há muito o que dizer:
Uma
canção sobre um berço
Um
verso, talvez de amor
Uma
prece por quem se vai —
Mas
que essa hora não esqueça
E
por ela os nossos corações
Se
deixem, graves e simples.
Pois
para isso fomos feitos:
Para
a esperança no milagre
Para
a participação da poesia
Para
ver a face da morte —
De
repente nunca mais esperaremos…
Hoje
a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos,
imensamente.
VINÍCIUS DA ETERNA PAIXÃO
Reviewed by Natanael Lima Jr
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09:00
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