POEMAS DA SEMANA
Poemas de José
Luiz Mélo, Alberto da Cunha Melo, Jaci Bezerra, Domingos Alexandre e Ângelo
Monteiro
REMEMORANDO SEIOS E PERÍNEOS*
José
Luiz Mélo
Eu
ontem enterrei o meu defunto
envolto
num lençol de parafina
molhado
no suor das oficinas
eu
mais me parecia um presunto
Que
um defunto, e ia de pés juntos
multiplicando
rugas nas meninas
tranquilas,
pardacentas, pequeninas
intrometendo-me
nos seus assuntos
De
pés juntos seguia liquefeito
tamborilando
um samba satisfeito
rememorando
seios e períneos
A
boca me fechando um esparadrapo
O
queixo me prendendo um guardanapo
E
me cobrindo um frio de alumínio.
Jaboatão/1966
*In Proibições e
impedimentos, Edições Pirata, 1981, p. 17
CERTO SERTÃO*
Alberto
da Cunha Melo
ao
José Luiz
Quando
a chuva vier, verás repletos
os
buracos que tens na tua mão,
e
só assim não mais os teus insetos
se
enforcam nas roseiras do sertão.
Esconde
no teu corpo os indiscretos,
Os
caprinos anelos de evasão:
Quando
a chuva vier, verás quietos
E
inúteis todos eles na estação.
Limpa
dos homens, da semente, a cova
que
um deus menor cavou disposta em cruz,
e
aproveita da terra, à lua nova,
seus
olhinhos de mato, seus umbus:
-
que não demora o espaço que renova
seu
orvalho, seu Pan, seus urubus.
*Poema dedicado
ao poeta e ficcionista José Luiz Mélo, na década de 60.
ENTRE / VISTA*
Jaci
Bezerra
O
amor? quem o semeia
sente
o rosto abrasado
e
entrega, não receia,
receios
ao amado
O
amor, rosa desperta,
nos
ensina, esfolhada,
a
vida, a mais incerta,
é
mais vida doada
O
amor? doce trinado,
canto
aceso e doído,
é,
mesmo se doado,
cortante
e duro vidro
O
amor? a nota grave
do
pássaro, se canta?
não,
a manhã da ave
ardendo
na garganta
*In Lavradouro,
1973, p. 95
BOM DIA, CUNHA MELO
Domingos
Alexandre
Não
é assim de longe,
de
tão longe,
que
queremos ouvir-te,
como
se agora
cada
palavra
fosse
um adeus definitivo
e
sem remédio,
como
se de repente
quisesses
transformar-te
numa
nuvem longínqua
ou
numa árvore estranha
perdida
para sempre
no
meio da floresta.
Precisamos
ouvir-te
de
perto, como antigamente,
voltar
a cruzar
o
vinho magro de nossos copos
numa
noite de chuva
ou
de verão tardio
lá
na Rio Branco
antes
que se apaguem
as
últimas lâmpadas do cais
e
o Recife comece
a
crescer, outra vez,
sobre
o arco ( mais curvo)
de
nossos ombros.
TRIGÉSSIMO TEMA SEM JÚBILO*
Ângelo
Monteiro
Em
seus braços de chamas debatendo-se,
no
insaciável velar, o candelabro
do
santuário ao centro não repousa?
Qual
luz que de si própria se confunde,
traspassando
os vitrais, sem penetrá-los:
tocar
não pode o centro inviolado?
Vedado
o espaço, fonte ou áureo bosque
-
de que vale o velar, se flamejante
ou
sombrio não se lhe abre o santuário?
Chagando
a doce porta dos reflexos
da
longa fome ou fúria, por que aos braços
acesos
não se rende a doce porta?
Por
que não se faz fonte em sua rocha
lacrada,
que se nega, a quem ardendo
de
espera se debate em seus umbrais?
Por
que não se faz fonte de uma vez
pra
matar, com seu jorro, o mal aceso
que
ele traz, candelabro, nos seus braços?
E,
se fonte, juntasse no seu jorro
o
candelabro ardendo: e se fundissem
na
comunhão das chamas e das águas?
Recife, 1972/1974
*In O inquisidor,
1975, p. 47
POEMAS DA SEMANA
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
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