Um dia que desafia o tempo
por Frederico Spencer*
Foto: Arquivo JB
No Ășltimo dia 26 postei no Facebook um
poema, intitulado Abril Sitiado e, me
deparei com um problema: qual enunciado utilizaria para postar o mesmo? O que
escreveria para fazer a referida postagem? Terminei escrevendo assim: Estamos
no mĂȘs de aniversĂĄrio dos cinquenta anos do golpe militar ocorrido neste paĂs,
publico um poema. Veio-me a dĂșvida, este enunciado serviu para enaltecer o
referido golpe ou ajudou a descer o malho, que era a minha intenção!
O aniversĂĄrio estĂĄ sempre ligado Ă
comemoração, de alguém ou de alguma data. Como comemoração entendemos algo
prazeroso, muita comida, bebida, muita festa! EntĂŁo, imaginem a minha dĂșvida.
Fiquei preso numa questĂŁo de semĂąntica.
Numa destas coincidĂȘncias que
acontecem vez em quando, peguei na estante o livro “NĂŁo espere pelo epitĂĄfio...”, do professor, filĂłsofo e teĂłlogo
Mario Sergio Cortella, abri uma pĂĄgina, caiu no capĂtulo: Comemorar o terror. Num trecho deste capĂtulo estava escrito: “Ă©
necessårio, por estranho que pareça, comemorar também o terror. Comemorar para
repelir a repetição futura; recordar para negar a reincidĂȘncia; rememorar para
afastar a miséria espiritual. à fundamental para a trajetória humana que
possamos lamentar a fragmentação da fraternidade e a vitória circunstancial do
pavor.”
Passados cinquenta anos, sentimos
ainda em nosso cotidiano o ranço dos anos de chumbo - sua sombra ainda paira
sobre nossas cabeças. Vivemos o rescaldo daqueles dias onde se
institucionalizou a violĂȘncia, a censura, os atos institucionais como meios
para a implantação de uma nova ordem social e polĂtica. Aprendemos a respeitar
a subordinação, a falta de decoro e a esquecer a ética, tudo isto nos foi
ensinado através da tortura, das prisÔes arbitrårias e pelo peso do cassetete.
Nas ruas repetimos ainda hoje os
sequestros relĂąmpagos, a tortura dos assaltos, o esquartejamento de corpos, as
tocaias nos pontos de ĂŽnibus, a invasĂŁo de domicĂlios, o toque de recolher,
agora voluntĂĄrio. Sobrou o lixo dos anos de chumbo!
Em suas provocaçÔes filosóficas,
Cortella termina sua crĂŽnica citando o grande mĂ©dico escritor Pedro Nava: “Eu
nĂŁo tenho Ăłdio; eu tenho Ă© memĂłria”.
*Frederico
Spencer Ă©
poeta, produtor cultural, sociĂłlogo e psicopedagogo
Um dia que desafia o tempo
Reviewed by Natanael Lima Jr
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09:03
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Parabéns Frederico pelo vigor do seu texto. Comemorar o terror, excelente!
ResponderExcluirJĂĄ vi em alguns eventos os locutores dizer, por exemplo, “estamos aqui para comemorar os 10 anos de falecimento do escritor...” e todos caem de pau no locutor. TambĂ©m tenho minhas dĂșvidas, apesar dos argumentos do professor Mario Sergio Cortella, creio que coisa ruim nĂŁo se comemora. Mas a morte de um General como o EmĂlio Garrastazu MĂ©dici ou um Augusto Pinochet deve ser sim comemorada todos os anos, com vinhos e fogos de artifĂcios. Alguns divĂłrcios tambĂ©m. Celebrar, exaltar, festejar, solenizar golpe militar nĂŁo Ă© de bom tom. Talvez o certo Ă© um esquecimento total. Ou o certo seria uma cerimĂŽnia fĂșnebre de Lamentação do Golpe milico-civil-fascista. Mas Ă© bom sempre lembrar o que estes bostas fizeram. Para jamais esquecer.
ResponderExcluirComemorem entĂŁo o facto* de tanto hoje como ontem continuarem activas a vossas moralizante-mente discordantes vozes sobre o sucedido Ă Ă©poca ...
ResponderExcluirPassa assim o evento a ser utilizado como mera referĂȘncia temporal dando por sua vez ĂȘnfase a uma critica que se quer actual e comemorada essa sim.
* "facto" Eu de facto estive lĂĄ ... "fato" Eu uso fato com gravata ...
O acordo ortogrĂĄfico Ă© mais um erro dos iluminada-mente estĂșpidos fascistas da lĂngua Portuguesa ... Mas isso sĂŁo contas de outro rosĂĄrio, sem mais atĂ© breve e bem-hajam.
HĂĄ ditaduras e ditas duras... Ambas para gostos, gozos e desgostos de muitos. Qual delas ainda reveste nossa tĂȘnue casca de democracia? Valeu, Frederico, Natanael, Farias e JoĂŁo!
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