O Conto da Semana
O baile (conto)* de Marco Polo Guimarães
Foto: Reprodução
Certa vez eu e Nassib resolvemos ir ao
Baile Municipal do Recife, o mais importante e mais fechado do carnaval. Só
comparecia quem tivesse dinheiro e status. O traje obrigatório era smocking
para os homens e longo para as mulheres. Ou então fantasias sofisticadas,
feitas com material de primeira. Ir ao baile era um pequeno investimento. O
benefício era sair nas colunas sociais.
Eu e Nassib inscrevemos um imaginário
grupo de dez universitários que iriam participar do concurso de fantasias.
Seria o grupo Caboclos de Lança do Asfalto, uma estilização urbana do maracatu
de baque solto. Fizemos um projeto minucioso, com descrição das fantasias,
material utilizado, evoluções, coreografia individual dos destaques e trilha
sonora. O projeto foi aprovado e recebemos dez ingressos especiais para
concorrentes.
Dias antes vendemos oito ingressos para
conhecidos, por metade do preço, garantindo dinheiro para a bebida e a comida.
Explicando que as fantasias já estavam no clube, entramos de camiseta, jeans e
tênis, pela entrada exclusiva aos participantes.
Passamos o baile todinho sem sermos
incomodados. Nesse tempo ainda não havia necessidade de segurança ostensiva. Os
poucos estranhamentos entre homens ciumentos, cismados ou, simplesmente,
bêbados, eram imediatamente neutralizados por parentes e amigos.
O baile se revelou um tédio como todos
os outros bailes de carnaval. Pessoas pulando sem sair do lugar, suando,
cantando aos berros, suando. O único episódio interessante ocorreu quando o dia
já estava amanhecendo.
Numa mesa onde havia vários casais, de
repente uma mulher ficou em pé sobre uma cadeira e, levantando totalmente a
saia, começou a gritar: Eu quero dar a boceta!
Por alguns intermináveis segundos de
estupefação todos ficaram congelados, até assimilarem o inusitado. Então um
homem, provavelmente o marido, voou em cima dela e derrubou-a no chão. Os
outros saíram do encantamento e rodearam o casal tirando-o da vista dos demais
e retirando-o do salão.
*Transcrito do livro Autópsia do bípede,
2013, p. 85
O Conto da Semana
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
09:04
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