Rosa de Todos os Tempos: João Guimarães Rosa

por Natanael Lima Jr*














Foto: Reprodução /João Guimarães Rosa




"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranquilos e escuros
como o sofrimento dos homens."



João Guimarães Rosa foi um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos. Foi também médico e diplomata. Nasceu na cidade de Cordisburgo, em Minas Gerais, em 27 de junho de 1908. O escritor tornou-se reconhecido mundialmente devido aos traços marcantes presentes em sua obra, como a linguagem inovadora, popular e regional e a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos, invenções e intervenções semânticas e sintáticas. Os contos e romances escritos por Guimarães Rosa ambientam-se quase todos no chamado sertão brasileiro.

Primogênito de sete filhos, aos sete anos Guimarães Rosa começou a estudar diversos idiomas, como francês, alemão, inglês, espanhol, italiano e esperanto. Além de conceituado escritor, ele se formou na faculdade de Medicina e chegou a exercer a profissão até 1934.

Em entrevista concedida a uma prima, estudante de jornalismo, ele falou de seu grande interesse no estudo de idiomas. “Eu falo alemão, francês inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.”

Após passar no concurso do Itamaraty, Guimarães Rosa teve como primeira função no exterior, o cargo de Cônsul-adjunto no Brasil em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele ajudou os judeus a fugirem para o Brasil ao conceder, ao lado da segunda esposa Aracy de Carvalho Guimarães Rosa, mais vistos do que as cotas estipuladas. A ação humanitária lhe rendeu no pós-guerra, o reconhecimento do Estado de Israel.

Sua primeira obra foi Magma (1936), um livro de poemas, com o qual obteve um prêmio da Academia Brasileira de Letras. Estreou para o público, de fato, em 1946 com um livro de contos que se tornaria um marco em nossa literatura: Sagarana. Mas sua consagração definitiva viria dez anos depois, com o romance Grande Sertão: Veredas (1956).

Guimarães Rosa faleceu no dia 19 de novembro de 1967, no Rio de Janeiro, aos 59 anos. Três dias antes, ele havia tomado posse na Academia Brasileira de Letras, para a qual havia sido eleito em 1963 por unanimidade. Temendo ser tomado por uma forte emoção, adiou a solenidade por quatro anos. Em seu discurso, quando enfim decidiu assumir a Cadeira nº 2, em 1967, chegou a afirmar, em tom de despedida, como se soubesse o que se passaria ao entardecer do domingo seguinte: “... a gente morre é para provar que viveu.” Suas obras foram traduzidas para diversos idiomas.


*Natanael Lima Jr é poeta, pedagogo e editor do blog Domingo com Poesia


Fonte consulta na web:




  



Poemas de Audálio Alves, Frederico Spencer, Cícero Melo, Alberto Lins Caldas e Juareiz Correya



Soneto de linhagem
Audálio Alves*

               A Edmir Domingues

(Img: Reprodução)
















Ao vestir-me de branco, ressuscito
a glória de meu pai - a de ser puro:
a sua barba aproximando os seres
como um lírio de paz ou de sossego.

Meu porte branco e o porte do passado
passeiam nesta tarde paralelos,
conquanto este sorriso não complete
aquele que de amor deixou meu pai.

Meu pai guardou-se em mim. E permanece
na alvura natural de minhas vestes
exposto ao sol, ao sono e ao desespero.

Em breve passaremos já cansados,
deste meu corpo ao corpo de meu filho
— ambos nele por fim ressuscitados.

*Audálio Alves foi poeta, advogado e jornalista. Nasceu no município de Pesqueira (PE), a 2 de junho de 1930, e faleceu em 8 de abril de 1999, aos 69 anos na cidade do Recife. Ocupou a Cadeira nº 8, da Academia Pernambucana de Letras. Pertenceu à Geração de 50, da poesia pernambucana, com os poetas Mauro Mota, Carlos Pena Filho, Edmir Domingues, Geraldo Valença, entre outros.




Antropoema
Frederico Spencer

(Img: Reprodução)














Escrevo palavras para você:
degusto o prazer, aos pedaços
os sentimentos nas mãos.
Num gesto antigo
trago o coração à mesa de jantar.
Pelo papel escorre a vIDA
como folhas de um calendário:
existe apenas indíCIOS de mim,
e versos inacabados.
Na espera dos dias,
palavras são construídas
num gesto grutal,
a vida consumida
no trabalho dos dedos.
E você tão sUMIDA
espera o término térmico técnico
desses poemas intermináveis:
                              naves
                       camicases
                                ases
                                aves
                       AVE MARIA!




Separações*
Cícero Melo

(Img: Reprodução)











Somente amor te separa.
Somente a morte separa.

*Inédito





Alberto Lins Caldas

(Img: Reprodução)












●plantar e plantar batatas●
●ao redor dos faveleiros●
●nos plantamos nos colhemos●

●depois deixamos o entulho●
●junto com a cinza sob a lingua●
●porq vivemos de esquecer●

●agora devoramos os ossos●
●jamais comemos a carne●
●nos plantamos nos colhemos●

●tudo isso foi sempre com sangue●
●sem coração e sem coragem●
●porq vivemos de esquecer●

●curvados e recurvados e rindo●
●nessa dança sem recomeço●
●nos plantamos nos colhemos●

●aceitamos todos os senhores●
●e a sede de suor e suas fomes●
●porq vivemos de esquecer●




Mensagem aos vândalos
Juareiz Correya


                        “A mão que afaga é a mesma que apedreja.”
                                                            (Augusto dos Anjos)

(Img: Reprodução)










O poeta, da Eternidade,
diria aos vândalos:
“A mão que constrói
cria, da pedra, beleza.
A mão que destrói
apenas apedreja.”

(Recife, 27/junho/2013)





 Histórias para encantar Gustavinho e Laís (conto) de Salete Rêgo Barros*



(Img: Reprodução)



Diz a lenda que, se chover no dia dedicado a São José – 19 de março - o inverno será bom e, consequentemente, a colheita abundante. A devoção tem origem na sabedoria popular, e o santo é reverenciado nos estados do Nordeste, geralmente, castigados pela seca.

As festas católicas, quase sempre, têm um correspondente pagão ou alguma ocorrência na natureza, que acontece nos dias próximos aos festejos.
O dia 20 de março marca o equinócio de outono no hemisfério Sul, quando os raios solares estão mais fortes no Nordeste, o que propicia a chegada das chuvas, momento ideal para o plantio do milho, que será colhido três meses depois, época em que Santo Antônio, São João e São Pedro são festejados.
Há um misto cultural que interliga o religioso com a natureza e vice-versa. O início da vida - simbolizado pelo plantio - é festejado, assim como a gratidão pelo fruto colhido.

Os romanos acreditavam que Junho tinha origem na deusa Juno, esposa de Júpiter, padroeira do casamento, protetora do lar e da mulher, que simboliza a fertilidade. Na Grécia Antiga este era o mês das festas e dos jogos olímpicos.

O pregador da palavra de Deus mais popular da Itália nasceu em Portugal em 1192 e tornou-se conhecido por converter multidões. Santo Antônio é festejado no dia 13 de junho – data em que faleceu aos 39 anos. Mesmo em vida, já era tido como milagreiro e protetor dos pobres; quando invocado, ajudava na recuperação de objetos perdidos.

No Brasil, Santo Antônio virou santo casamenteiro a partir de uma lenda segundo a qual, ele teria ajudado uma pobre moça a se casar fazendo surgirem as moedas de ouro que ela teria de apresentar como dote exigido para que o seu casamento fosse concretizado.

Enquanto Santo Antônio não atende aos pedidos das moças, é maltratado por elas, que o colocam de cabeça para baixo, amarram suas mãos ou tiram o Menino Jesus de seus braços, até que ele resolva atendê-las.

Sob sua proteção, no dia 12 de junho, os casais comemoram o Dia dos Namorados incentivados pelo comércio. O costume foi introduzido no Brasil em 1949, quando o publicitário João Dória trouxe a ideia dos EUA. Lá, a data é comemorada em 14 de fevereiro – o Valentine’s Day – em homenagem ao padre Valentin, que foi condenado à morte por se rebelar contra as ordens do
imperador Cláudio II (Roma Antiga, Século III), que proibiu o casamento durante as guerras acreditando que os solteiros eram melhores combatentes. O padre realizava casamentos durante a época proibida tendo ele próprio se casado. Antes de ser executado deixou um bilhete para a sua amada, assinado “seu Namorado”.

São João, comemorado no dia 24, vivia no deserto alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre, e era primo de Jesus. Nasceu de um casal de idosos estéreis, fato extraordinário comemorado pelo povo. Diz a lenda que sua mãe, Isabel, acendeu uma fogueira para avisar Maria, mãe de Jesus, o nascimento do filho. Morreu decapitado a mando de Salomé, mulher de Herodes, incomodada com as suas pregações moralizantes.

No Brasil, São João tornou-se um bonito rapaz, saudável e alegre, figura compatível com o desejo das moças casamenteiras em perpetuar a espécie.
Encerrando o ciclo junino, comemora-se no dia 29, o dia de São Pedro, padroeiro dos pescadores e das viúvas, que acendem uma fogueira em frente às suas casas na noite dedicada ao santo. É representado com as chaves que abrem e fecham as portas do céu regulando as chuvas, e foi discípulo de Cristo.

O milho, originário do México, vem sendo cultivado há 8,7 mil anos tornando-se elemento indispensável na dieta de todas as camadas sociais no mundo inteiro, sob diversas formas, dadas as suas qualidades energéticas e nutricionais. Também é utilizado como ração animal e dá origem a mais de setenta subprodutos.

Sua tradição alimentar representa uma das raízes do nosso passado indígena. Os maias, os astecas e os incas, além de utilizá-lo na culinária, mantinham com ele uma relação de cunho religioso. No Brasil-colônia os escravos africanos se alimentavam dos grãos na forma de mugunzá e de xerém para acompanhar as carnes, além das espigas cozidas. Ainda hoje é utilizado nos quitutes oferecidos nos terreiros de candomblé.

Especialmente no mês de junho, colhido ainda verde, com ele são preparados inúmeros pratos que não podem faltar na mesa do nordestino – canjica, pamonha, bolos, sopas e sucos podendo, ainda, ser consumido assado ou cozido.

As lembranças mais caras de nossas infâncias estão relacionadas ao antes, durante e depois dos festejos juninos. Quem não sente saudades dos preparativos para as festas, que incluem a roupa nova, o vaivém nas cozinhas e as brincadeiras com as bonecas de milho? E dos fogos, dos balões subindo, das adivinhações, da hora de acender a fogueira e da mesa posta com aquela
infinidade de pratos? E das petecas feitas com as palhas secas? E dos comentários no outro dia?

Certamente, as adivinhações eram o assunto principal do outro dia. Conhecidas por todos os povos em todas as épocas, na antiguidade a decifração de enigmas se constituía na mais alta prova de inteligência.
As adivinhações brasileiras são de origem portuguesa e espanhola – pingos de vela que formam as iniciais da pessoa amada numa bacia com água; alianças penduradas em fios de cabelo, que respondem às perguntas das moças casamenteiras; agulhas que se juntam ou se separam num copo com água dizendo se alguém vai casar ou não; ver o reflexo do próprio rosto na água é certeza de estar vivo no próximo São João.

As adivinhações de origem africana foram praticamente excluídas dos nossos costumes, diferentemente da culinária, que faz parte do nosso dia a dia, e dos cultos religiosos, cada vez mais presentes na vida do povo brasileiro.

As histórias de cada um devem ser resgatadas e preservadas, para que não se percam nas dobras do tempo e nos labirintos da memória. As infâncias vividas nas praças de alimentação dos shoppings não guardam o mesmo sabor da comida feita nas cozinhas das mães e avós, nem os aromas que saem de uma panela de milho cozido, de um leite fervendo ou de uma fruta madura. Que presente pode substituir um vestidinho de chita, enfeitado com fitas coloridas de cetim, feito pelas mãos carinhosas de uma avó, para ser usado numa noite de São João? Que sensação pode ser comparada a de soltar estrelinhas atrás da porta de um quarto escuro? Que histórias terão os nossos netos, daqui a cinquenta anos, para contar?

Noite fria de junho de 2013


*Salete Rêgo Barros é arquiteta, parapsicóloga, escritora e editora da Novoestilo Edições do Autor e produtora cultural executiva da Cultura Nordestina Letras & Artes. Vice-presidente da Associação Nordestina de Trovadores - ANT, secretária geral da Academia de Letras do Brasil - ALB, coordenadora do programa O Fantástico na Literatura da União Brasileira de Escritores - UBE.


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3 comentários

  1. Bom dia amigos e belo domingo com poesia sempre!
    Acredito que o que falta a nossa sociedade atual é justamente encontrar o prazer de estudar por divertimento e gosto, pois assim se formam cidadãos comprometidos com suas profissões contribuindo para uma sociedade mais justa, o que vemos hoje em dia são mães pobres que empurram seus filhos pra escola como castigo pois se assim não for perdem a bolsa família...que sociedade pode ser formada a partir de castigo e não de valorização e entendimento?
    Passar aqui aos domingos tem sido realmente uma colheita de informação e cultura.
    Obrigada por esses espaço.
    Beijos e uma ótima semana.
    Joelma

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  2. Joelma, que bom ler palavras como estas, isto nos motiva cada vez mais para realizarmos este trabalho. Obrigado e volte sempre a nos visitar.
    Frederico Spencer

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  3. Cara Joelma, agradecemos sua visita e seu comentário. Sua visita é sempre um estímulo para todos nós.
    Abraços e sucesso.

    Natanael Lima Jr
    Editor

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