O Índio Enganou Piaget
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A cena acontece como em qualquer
comunidade indígena: crianças livres correm, pulam no rio, inventam brinquedos,
brincam com a terra e a água, bebem do rio, dormem ao relento nos dias de
festa, aprendem com os mais velhos através das estórias de seus antepassados.
Com as lendas, por trás das chamas de uma fogueira que queima o frio, sonham,
experimentam a realidade através das experiências vivenciadas pelas
brincadeiras construídas no seu cotidiano, assim, dormem ao final do dia,
sonhando com o nascer de outro sol.
O adulto da aldeia participa das
brincadeiras, qual criança no carretel leve do dia. Ensina as obrigações da
vida aos pequenos, tais como caçar, pescar, até a arte da guerra, espera que os
menores entendam, senão, pelo peixe do dia. Assim, os conhecimentos vão sendo
passados pelas gerações de acordo com a brincadeira do dia, inventadas e
compartilhadas por todos da aldeia.
Em seu processo de aprendizagem, a
criança indígena cresce vivenciando sua relação intrínseca com a natureza.
Nessa integração, o tempo não é cronológico, mas passional, entre o ser que a
vivencia e o objeto de desejo que se faz através do imaginário e, pela
estética, mediada pela busca da satisfação das necessidades de sobrevivência.
Na aldeia tudo é experimentado, tudo é aprendizagem. Sem os rótulos da razão,
aprende-se comendo a caça e a pesca da fome do dia.
Ao índio pequeno, não lhe é cobrado
que constitua seu modo de pensar e construir o mundo através de sua idade cronológica,
mas pela vivência de sua cultura. Seu tempo é o de sua resposta aos estímulos
recebidos através das lendas, das brincadeiras, dos modelos das práticas dos
mais velhos, dessa maneira, vai se tecendo na prática da vida, fora do tempo
dos relógios e das fórmulas mágicas de aprendizado.
Ao menino urbano, oferecemos fórmulas
compactadas de aprendizado, de acordo com sua idade. Em seu processo de
aprendizagem são oferecidos conteúdos formatados pela cultura de consumo de
massa, oriundos da ideologia de mercado, ideologia esta, imposta através das
campanhas de publicidade, dessa maneira, são construídos os desejos de mundo da
criança moderna.
Mais do que um modelo de olhar e
interagir com o mundo, essas duas culturas divergem no modo de sua construção.
Uma é constituída pelos mitos e lendas que povoam o imaginário coletivo,
voltada exclusivamente ao respeito à natureza, ao bem estar e à preservação dos
valores culturais. A outra se valoriza pela perpetuação do conceito de
mercadologização das relações, sejam essas pessoais ou de relação de mercado.
Diferentemente da letra da música dos
TITÃS: “homem primata, capitalismo selvagem”, diria eu: capitalismo selvagem,
homem primata, envolto em sua selva de plástico e antenas.
*Frederico Spencer é poeta, sociólogo e psicopedagogo
Poemas de Natanael Lima Jr, Affonso Romano de Sant’Anna, Fernando
Paixão e Juareiz Correya
Premonição*
Natanael
Lima Jr
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A
cidade aflita deixa existir:
o
caos, o medo, o pânico
em
mim.
O
medo prometeu
embora
(ainda) acorrentado
transgredir
o fim.
*In À espera do último girassol e outros
poemas, 2011, p. 79
Arte-final
Affonso Romano de Sant’Anna*
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Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outro o ato,
e outro o ato,
quem toma uma por outra
confunde e mente.
confunde e mente.
*Affonso
Romano de Sant’Anna jornalista,
professor universitário, cronista e poeta.
A contorcionista
Fernando Paixão*
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É necessário que sejas jovem e bela
as pernas entre a flecha
e a curvatura.
Mas isso não basta
tem de haver cabelos longos e dóceis
qual um cálice negro
descendo por trás
o rosto
invertido
em boca e olhos
rara figura
como seria uma sibila dos infernos.
Então nos diga: que conquista é essa
de recriar tronco e membros
sem obedecer ao engenho do corpo
metade feminina metade monstro?
Não te iludas: os aplausos do circo
são tingidos de medo quando chega a tua hora.
Ofereces dobras
que as pupilas rejeitam
o espaço nega. Temos um tremor
de desequilíbrio.
Cegam as palmas.
0 teu corpo visitado por flores do mal
como afastá-lo das retinas?
*Fernando
Paixão é
escritor, jornalista e poeta. Nasceu em 1955 na pequena aldeia portuguesa de
Beselga, vindo a transferir-se no início de 1961 para o Brasil.
Finadia*
Juareiz Correya
“Cavalgou mil
camelos
sobre as dunas do coração inquieto.
Descansa, Lawrence of Arábia.”
(Epitáfio, de ÉRICO MAX MULLER)
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Há urubus desgarrados
contra o céu
pela manhã.
Este não é um dia como outro qualquer?
Sim, a tarde não foi feita
para estes rostos falsos cinzentos mascarados
eu sobrenado no cemitério ridículo
onde besouros acendem velas
e iluminam os semblantes dos mortos
florindo nas sepulturas.
Histórias saem do chão
e arrotam contra o meu peito
odor e elos com as suas bocarras estendidas.
“Maio de Expectativas” de Jomard Muniz de Britto
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Se tudo pode
ser dito, escrito, pensado e até mesmo ocultado, por que não admitimos o desejo
de outra vez experimentar a leitura do mundo?
Experiência do
que nos cerca, acontece e imaginamos. Interações. Intervenções.
Maio em
presença, passado e futuração?
Reencontro das
realidades com nossas intersubjetividades. Entrelugares.
O que se acha
diante de nós e tudo aquilo que podemos vislumbrar.
O verbo mais
próximo, como quase todos, sugere devaneios, dúvidas, expectativas.
E o ato de
duvidar nos promete gestos de provisoriedade, porque tudo muda.
Mesmo que
rotineiramente NÃO mude.
Para todo tipo
de conhecimento – senso comum, artes, ciências, filosofias – um conjunto de
experimentos é provisório.
Jamais
definitivo, imutável, dogmático.
Palavra que
está muito em moda nas mídias múltiplas é FUNDAMENTALISMO.
Em maiúscula
ou não. O que será?
Quando nossas
opiniões não permitem divergências, estamos correndo o risco de ser praticantes
fundamentalistas.
Nossa verdade
é a melhor, a mais forte para o que der e vier. Indubitavelmente.
Então, onde
foi parar nossa capacidade de dialogar sem fazer favor algum?
E agora,
leitores do mundo?
O mês das mães
e noivas pode ser também o das mais cruéis estiagens.
Por que não
dizermos secas em vidas?
Nordestinações
e muito além.
Maio, além do
mais, nos relembra 68 em todo mundo das barricadas e militâncias entre ruas,
discursos e panfletos.
Luta contra os
autoritarismos em defesa das liberdades compartilhadas.
Palavras
sempre desejadas e por demais problematizadoras.
Em síntese
precária: desejo de revolucionar a política no cotidiano das pessoas e cidades.
Porém os
sonhos universais foram sufocados em pesadelos acordados.
Se
desapareceram as estratégias de transformação, continuamos padecendo barbáries
em processo civilizatório.
Maio de todos
os anos procurando ultrapassar o TER dos consumismos pelo SER das
singularidades em processo de criticidade e dialogismo.
Para
experimentar as contradições da sociedade e mais ainda as contraDICÇÕES da
linguagem no plural das criações, leituras e interpretações: em busca das
táticas inusitadas enquanto atentados poéticos.
Recife/maio/2013
atentadospoeticos@yahoo.com.br
O Índio Enganou Piaget
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
15:36
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Sem sombras de dúvidas "Domingo com poesia" é um domingo com qualidade e talento.
ResponderExcluirDesejo-lhe uma linda semana.
beijos
Joelma
Olá Joelma, agradecemos sua visita e seu comentário.
ResponderExcluirNatanael Lima Jr
Editor
Joelma, é muito bom quando há um comentário sobre nosso trabalho que é feito com muito amor e carinho em respeito à literatura e aos leitores.
ResponderExcluirObrigado
Frederico Spencer
Editor de Texto