O poema e Seu Desavesso
por Bezerra
de Lemos*
(Nota: Artigo publicado no Jornal Folha de PE, em 20/09/2012)
Efêmeros,
Não tenho a cal
O modernismo pós
Modernismo pôs
Modernismo pois é
Foi alguém que fez
Foi ninguém que fez
Foi rimar com dez
Marteladas
Desmantelada
Desmascarada
Diz mascarada quem és
A derradeira
Pós verdadeira
Pó da guerreira desdém
Vem destravada
De madrugada
Desnaturada que vem
Desfigurada
Desnorteada
Desamarrada
Dez amargadas que nem
Desinformada
Destrambelhada
De manhãzinha ninguém
Desmatéria lisa
Desconstruída
Desiludida agora sim
(Nota: O conteúdo do texto e a revisão são de responsabilidade exclusiva do autor)
O poema tem seu discurso específico, como toda obra de arte, e, além de
tudo, tem uma unidade. Quando se analisa um poema, encontra-se a possibilidade
de isolar alguns aspectos desse poema observando procedimentos técnicos e
teóricos. Não devemos perder a unidade do texto, que se apresenta múltipla de
leitor para leitor, mas sempre reorganizada.
Nos vários outros textos (diferentes do literário), o escritor faz uma
seleção de palavras e procura combiná-las, geralmente, pela sua combinação
fônica. No texto literário, principalmente no poema, acontece um outro trabalho
sonoro e significativo, através das palavras e da literalidade, que se combinam
entre si e acontece por parentesco sonoro. O discurso poético é específico, a
combinação das palavras-metáforas dispensa a significação desses vocábulos, a
fim de atingir a metonímia, ora através da sonoridade (coliteração, ou
aliteração), ou pela colocação dessas palavras no texto. A aplicação dessa
técnica leva o leitor a um certo grau de ambiguidade, que chega a levar um
indivíduo à sinestesia. Vem daí, a plurificação do contexto literário,
notadamente, no poema.
O ritmo na construção de um poema tem muita importância. Sua presença na
colocação dos versos é facilmente percebida por um leitor atento, bem como a
métrica e a rima, quando o poema é rimado. Todavia, esse conjunto técnico,
quando quebrado ou utilizado de maneira errônea, será o vilão do próprio poema,
principalmente na forma.
O poeta Vinicius de Moraes teve a transcrição de seu poema “Soneto de Fidelidade” em um jornal da
Cidade do Recife, com os versos quebrados e desalinhados: ele – o Vinicius -,
tremeu no túmulo, pois a sonoridade e a rima faliram e levaram o poema ao
buraco.
Quando transcrevemos um poema devemos obedecer a forma original do
poeta. As noções de metro, verso e ritmo encontram-se ligadas, intimamente, e
não aceitam ser danificados ao bel prazer de certos Calígulas das artes.
As normas técnicas, mesmo para o poema livre ou branco definem esquemas
para a composição do verso. Observando o sistema qualitativo os versos, ou
regras, se subdividem em pés ou segmento, com sílabas longas e breves e, ao
mesmo tempo, fortes e fracas, como se observa em Ascenso Ferreira no poema “Oropa, França e Bahia”:
- “Onde vais mulhé?”
- Vou me danado pro carrossé!
- tu não vais, mulhé,
mulhé, você não vai lá...”
Observamos que ao ler os versos de Ascenso, eles se destacam a partir da
disposição gráfica e da sonoridade apresentada. Cada verso ocupa uma posição no
texto, que é marcada por um ritmo específico.
Ao se transcrever o poema “José”, de
Carlos Drummond de Andrade, é necessário uma fidelidade à forma dos versos no
poema e sua colocação no papel. No texto há uma estrofe (no JOSÉ) formando
várias hipóteses, todas condicionadas à conjunção subordinada condicional “SE”,
que se repete no poema formando uma musicalidade, como observamos na
interpretação de Paulo Diniz:
“Se você gritasse, Se você gemesse, Se você tocasse a valsa vienense, Se
você morresse. Mas você não morre, você é duro, José!”
Observe que Drummond castiga /JOSÉ/, através da repetição da conjunção “SE”,
na mesma posição, formando um jogo fônico no interior das outras palavras, como
uma condenação condicionada: /Se você gritasse, Se você gemesse, (...) Se você
morresse. Depois o poeta nega: /Mas você não morre /você é duro, José!/.
Seja duro como JOSÉ, nunca quebre um verso nem sufoque as coliterações e
aliterações. Seja um Edgard Allan Poe, no seu Corvo.
*Bezerra de Lemos é professor
de Teoria Literária, crítico e membro da UBE – União Brasileira de Escritores
(Nota: Artigo publicado no Jornal Folha de PE, em 20/09/2012)
Poemas de Natanael Lima Jr, Frederico
Spencer, José Inácio Vieira de Melo e Anderson Paes Barretto
A vida por um
fio*
Natanael
Lima Jr
Efêmeros,
desconhecemos
o tempo
que
submerge e depois emerge.
Tempo
provisório,
transitório
e incompleto.
Efêmeros,
não
por medo do acaso,
mas
por assédio da solidão.
O
amanhã
irá
chegar imponderável
e
o fio da vida
romperá
o sentido
e
a vida deixará de existir.
À
medida que a vida
não
pulsa,
estende-se
ao sol
mais
vida,
do
resto de vida que sobrou.
(In À espera do último girassol e outros
poemas, 2011, p. 81)
Linha 56*
Frederico
Spencer
Não tenho a cal
que
tinge esse tempo
nem o
ouro
que
abre teu olho
e fecha
tua mão. Ainda
não
entendo
a mó,
que moe essa gente
transformando
em pó
o suor
de nossas mãos
de
tanta caliça e barro
se
perderam nesse tempo
moto
contínuo, de transformação
sem
saber onde vamos
nem
onde parar nesta dança
dos
mercados, dos nossos corações.
Trago
do tempo suas ilhas
onde
ancoro
na
corrente dessas águas
minhas
jangadas sonhando
em
vencer os oceanos
que
tocam meus pés.
*Poema escrito em reflexão aos meus 56 anos
Caligrafias
José
Inácio Vieira de Melo*
Na
poeira de um tempo impreciso,
as
histórias do silêncio,
ninhadas
de signos sem tradução.
Silêncio
na carne.
Silêncio
que sente a arela passar.
Tempo
para a solidão do poema.
Cultivamos
os nomes.
Criamos
semblantes para cada nome.
Para
mostrar nossos nós – a palavra.
Com
os olhos marejados
a
vertigem cresce:
suas
roupas são de luz e de som.
O
pasmo nos sobressalta
e
gozamos de tudo.
II
A
poesia de um tempo sem siso
e
sua estranha ninhada de histórias
das
entranhas do silêncio.
Nosso
heroísmo é trágico
e
as parcas são infinitas.
Temos
apenas a ilusão das coisas
e
o caminho é irreversível.
Retomar
– apenas para o Nome,
para
o ser que não tem nome.
*José Inácio Vieira de Melo é poeta e editor do
blog Cavaleiro de Fogo (BA)
Desconstruir
Anderson
Paes Barretto*
O modernismo pós
Modernismo pôs
Modernismo pois é
Foi alguém que fez
Foi ninguém que fez
Foi rimar com dez
Marteladas
Desmantelada
Desmascarada
Diz mascarada quem és
A derradeira
Pós verdadeira
Pó da guerreira desdém
Vem destravada
De madrugada
Desnaturada que vem
Desfigurada
Desnorteada
Desamarrada
Dez amargadas que nem
Desinformada
Destrambelhada
De manhãzinha ninguém
Desmatéria lisa
Desconstruída
Desiludida agora sim
*Anderson
Paes Barretto é jornalista, contista, poeta e editor do blog Multipersonalismo
(PE)
O Brinquedo (conto) de Alberto Lins
Caldas*
*
quando a tomei nas mãos se aninhou
entre meus dedos e fechou os olhos. sorri, entretido com meu novo brinquedo.
achei-a delicada. com certeza seríamos bons amigos, fazendo, um ao outro,
companhia nas noites de devastadora solidão. até àquele momento não quisera
nada junto a mim. sempre vivi separado do mundo, enfastiado das pessoas. tudo,
toda conversa ou coisa, me transfigurava o humor; calafrios nervosos me
atravessavam os membros e enjoos doloridos apertavam o estômago. não quis
sequer descobrir as causas, somente fugir o quanto antes da tempestade que é
viver. mas com o tempo quis algo mais vivo que os objetos de casa, que se
enroscasse em mim e nos soubéssemos vivos, um através do outro. no entanto, não
deveria lembrar o homem cheio de traumáticas asquerosidades, simplesmente um
animal, mas que não possuísse aquela fidelidade canina abjeta, nem olhos que
recordassem apelos demasiados ou calor recôndito e necessário. que fosse vivo,
mas não carinhosamente asqueroso. não me procurasse em demasia nem eu a ele.
por isso gostei tanto do meu brinquedo.
*
no quarto construí uma espécie de
ninho composto de panos e algodão. procurei pela casa aranhas e insetos
desejáveis e ficava deitado no chão esperando, nos dias de fome, o certeiro
golpe e o deglutir das vítimas. demorava semanas enrodilhada num sono ritual
sem consumir novos animais. nesses dias de dormência e luto deitava-a em minhas
mãos e acariciava o lustroso frio da pele. e de tanto velar seu sono também
adormecia enquanto o sonho da treva me fazia retornar à origem terrestre e nos
retorcíamos companheiros do mesmo destino dentro do lodo e da verdura, a caça
primitiva, o desejo traçando substâncias do mundo dentro dos labirintos
alagados de florestas ainda verdes, espumando entre folhas, galhos, troncos e
cavernas. quando acordava ela ainda dormia e era difícil abandonar as paixões e
aceitar a realidade do quarto, da existência os dolorosos ruídos. nos dias que
permanecia acordada enchia a banheira d‘água e a via se contorcer nas
superfícies, mergulhando como se buscasse um peixe no imaginário do instinto.
*
a infância passou e minha Eunectus
Colubridae começou a crescer. antes de continuar gostaria de
descrevê-la. não que hoje lhe tenha excessivo amor ou amizade, mas pelos velhos
tempos de brincadeira.
quando chegou era minúscula. hoje tem
vinte e dois metros. não deveria medir mais que oito metros em casos extremos.
com certeza minha dieta especial a fez demasiadamente se desenvolver,
extrapolando as expectativas mais exageradas. no entanto textos antigos afirmam
ser possível a minha Eunectus alcançar a dimensão que
hoje possui. por isso transcrevo as impressões de um aventureiro no seu
primeiro encontro com a Eunectus.
“Ao meio dia
avisaram-me os remadores que havia uma imensa Eunectus na margem. No começo só vi lama e um monte de galhos e
folhas mas após a batida com o remo apareceu um pedaço do corpo do animal.
Depois ergueu a cabeça mas em seguida a recolheu. Atirei contra ela e a Eunectus deu um salto, quase uns três
metros, jogou muita lama sobre nós e investiu diretamente contra mim. Seu
ataque veio tão inesperado que caí para trás por dentro da canoa. Um remador me
defendeu com a vara de remar, perfurada pelos dentes solidamente montados que
possui. Tive assim tempo de carregar novamente o rifle e acertei-a com um tiro
na cabeça. Rebocamos então com muita dificuldade a Eunectus pelo rio. De outro modo não a teríamos levado.
Ao chegarmos
ao acampamento fiz as medições de praxe, confirmamos o comprimento espantoso de
vinte metros. Os grandes exemplares são pardo-oliváceos; os menores apresentam
cor mais amarelada, sempre, entretanto, com manchas azuis circulares, bem
destacadas. Suas escamas são quase invisíveis; suas narinas estão implantadas
no alto da cabeça; a face inferior de sua cabeça é achatada como uma pá, tudo
para facilitar o aparecimento dos olhos para fora d‘água. Desse modo esperam as
presas. Podem, também, permanecer submersa por longas horas, mesmo por uma
noite inteira, sem vir à tona para respirar.
Nos estômago
da Eunectus colubridae encontrei dois grandes animais. Também algas,
folhas e algumas pedras, que pressuponho fazem parte da sua dieta para
facilitarem a digestão. No entanto, por notícias comprovadas, seu alimento
principal costuma ser peixes, pássaros aquáticos, marrecas, garças e outros pássaros
que nidificam ao longo d‘água e finalmente mamíferos até de porte médio, que
vêm às margens para beber. Não temos notícias concretas que confirmem a morte
de homens por estas feras, mas não há força humana capaz de distender o seu
corpo desfazendo as contorções. No entanto uma história conta que encontraram
uma Eunectus, morta, tendo enroscado
em seus anéis mortíferos, um homem adulto, também morto. E depois do nosso
encontro não desconfio mais dessas histórias e sei que é mais que possível uma
fera destas devorar inteiro um homem e ainda ficar com fome.
[...]
Nos meses de
janeiro, fevereiro e março que coincidem com o período de cio, tem-se ouvido um
singular e estranho ruído, atribuído às Eunectus
adultas.
[...]
Dos costumes
mais estranhos podemos detectar a especial maneira de pescar: cospe uma
montanha de espuma sobre a água para atrair os peixes. Depois mergulha e fica
no fundo, quando os peixes paralisados flutuam na superfície, aparece de novo e
os engole, emitindo um chiado alto e forte, audível à boa distância”.
aqui termina o relato. o mais é
descrição anatômica, fugindo do meu propósito.
*
tenho a ela o mesmo apego de
antigamente, mas um medo pesado e frio se instalou junto ao carinho desmedido
que sinto. não posso deixar de avaliá-la, tapando os olhos ao que vem fazendo
quando chegam os dias de se alimentar. não aceita mais os animais mortos que
lhe dou. desaparece pelos quintais quando a noite cai e volta altas horas
satisfeita e sonolenta. não posso fazer nada. não posso matá-la ou entregá-la
aos outros. já comentam e noticiam desaparecimentos. eu só faço chorar. neste
momento está dormindo, mas quem garante que não acordará enquanto durmo e me
envolverá em seus anéis e me devorará calmamente? sei que isso é possível
porque não a tenho deixado sair. fica se arrastando pela casa. chora
desconsolada: não posso permitir que saia mais. da última vez ainda pude
observar os pés de um corpo ainda não completamente engolido.
desse modo, deixo pelo menos um
escrito que conte a minha fraqueza depois que descobrirem tudo. estarei morto e
não sentirei piedade quando a matarem. com certeza as lágrimas que escorrem dos
seus olhos na hora da morte serão as nossas lágrimas porque estarei em seu
estômago, sendo um só e mesmo corpo.
*É autor dos livros sobre literatura e
literatura brasileira “Litera Mundi” (Edufro, Porto Velho, 2002) e “Oligarquia
das Letras” (Terceira Margem, São Paulo, 2005); dos livros de contos “Babel”
(Revan, Rio de Janeiro, 2001) e “Gorgonas”
(Companhia Editora de Pernambuco, 2008); do romance “Senhor Krauze” (Revan, Rio
de Janeiro, 2009) e do livro de poemas “Minos” (Ibis Libris, Rio de Janeiro,
2011).
(Nota: O conteúdo do texto e a revisão são de responsabilidade exclusiva do autor)
Poemas dos alunos do 9º ano do Colégio Grande Passo
Projeto “Desvendando a Poesia da Química”
O projeto
pedagógico “Desvendando a poesia da Química”, de autoria das professoras
Fátima Souza e Jaqueline Dantas, apresenta
uma proposta interdisciplinar entre a Química e a Produção de texto, trabalhando
os conteúdos da Química com caráter epistemológico, partindo da hipótese que o
contexto histórico é fundamental no processo de aquisição das concepções
científicas.
Sendo o poema
o gênero textual mediador da sistematização dos conteúdos de ambas disciplinas,
considerando a funcionalidade e características formais do gênero em estudo.
E desde do mês
de março de 2013, os alunos do Colégio Grande Passo vêm vivenciando e se
deliciando com esse evento por meio de pesquisas, produção textual e parceria com
a dupla de poetas Natanael Lima e Frederico Spencer, que também são autores do blog
“ Domingo
com Poesia” , o qual serão divulgados os poemas dos alunos dos 9º anos.
Fátima Souza e Jaqueline Dantas
Recife, 21 de abril de
2013
As Descobertas
(Pedro, Rodrigo
Ricoly, Thiago e Victor Enzo- 9º ano A)
Goldstein não
era poeta,
Mas fez uma
grande descoberta.
Ele descobriu
os prótons
e a discussão
estava aberta.
O modelo de
Rutherford
Tinha núcleo e
eletrosfera.
Mas havia um
problema
E Bohr propôs
uma ideia
Bohr trocou a
eletrosfera
Por níveis de
energia
O núcleo ele
manteve
E o problema
ele resolvia.
Química Complexa
(Alícia,
André, Vinicius e Júlia- 9º ano B)
Química
complicada
No seu modelo
atômico
Que mistura as
substâncias
E tudo fica
cômico.
No seu núcleo
complexo
Até Rutherford
fica perplexo,
Seu modelo
falhou
E Bohr outro
modelo formulou
Experimentos
foram testados
E outros
modelos foram criados.
Goldstein
mudou
O que Thompson
idealizou
Descobriu a
existência do próton
E tudo se
formou.
Todos estavam
errados
E Bohr estava
certo
Ele aprimorou
Rutherford
De um modo
quase certo.
(Nota: Na
próxima edição publicaremos mais poemas – Os editores)
O poema e Seu Desavesso
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