O Encanto da Poesia
José Luiz Delgado*
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Assim como o político parece sentir-se
em inferioridade diante do intelectual, por se saber eminentemente transitório,
titular de imenso poder, e da glória correspondente, mas glória e poder que,
muito breves, passam, e passam rápido, ao passo que o prestígio do outro pode
atravessar décadas ou até séculos, assim também pode-se identificar certa
sensação de inferioridade do escritor de prosa relativamente ao poeta. E mesmo
na prosa, haverá graus: o ensaísta parece desfrutar de uma perenidade menor do
que o romancista. Porque (salvo evidentemente o filosófico) mesmo o melhor
ensaio não deixa de ser, de alguma forma, “datado”, isto é, condicionado à
cultura e ao conhecimento de sua época. A superioridade da poesia mostra-se já
no fato de não poucos oradores gostarem de enriquecer seus discursos, e
sobretudo concluí-los, com o que imaginam ser um “fecho de ouro”: a citação de
poetas. Por que não de prosadores?
É porque a poesia é sintética, deve
ser (a boa poesia) uma condensação, uma suma, o extrato de um pensamento, um
sentimento, uma emoção. Sua intuição profunda, humana ou cósmica, o poeta a
exprime numa “alegria para sempre”, o verso. Enquanto a prosa é essencialmente
analítica, discursiva, deve ser longa porque precisa desdobrar racionalmente a
narrativa ou a argumentação. Também se encontrarão, decerto, na prosa, pequenos
períodos que constituirão “joias” literárias – mas será preciso pinçá-los,
garimpá-los no meio de textos longos e complexos, ao passo que esses sumos, na
poesia, são a própria poesia.
Pois a poesia, a boa poesia, não deve
ser senão essencialmente isso: a condensação de uma intuição, de um pensamento
ou sentimento que toca a todos os corações e se concentra, nela, numa forma
lapidar: concisa e definitiva. Salvo poucas exceções (Os Lusíadas por exemplo) a poesia é curta, é sintética, abrevia em
poucas linhas o sumo de uma substancial experiência humana – não só as experiências
absolutas da transcendência: mesmo as experiências singelas das coisas efêmeras
e cotidianas, que também a todos os humanos abalam.
A isso acrescente-se a sonoridade,
magia que basicamente decorre da rima, mas, mesmo sem rima, deve nutrir-se do
ritmo, de uma cadência, de uma especial musicalidade que a aguçada
sensibilidade do poeta apreendeu e com a qual nos comove. Não há poesia sem uma
inspirada harmonia sonora, mesmo aquela poesia que se quis libertar da rima e
da métrica. Sem algum toque de música, portanto.
*José Luiz Delgado é pernambucano e professor universitário
*José Luiz Delgado é pernambucano e professor universitário
Artigo publicado
no Jornal do Commercio, em 11/09/2012
POEMAS DE CARLOS NEJAR, IVAN MARINHO, NATANAEL
LIMA JR E FREDERICO SPENCER
Corda e
faca*
Carlos Nejar
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Eis que a vida vai cortando
o pouco que a vida deixa.
E os dias se levantando
no pano da tarde negra.
Negros os ombros e os ruídos,
negros homens levantando
claros andaimes de pranto
no negro tempo passando.
Eis que a vida vai cortando
o pouco que a vida deixa.
E o mundo é longo e se dobra.
Porém a morte é mais longa
com suas rendas, fazendas.
Eis que a vida vai cortando
O pouco que a vida deixa.
E tu, ó pátria, comendo
o que te come a moenda,
o que te pasta o rebanho
e o que te sangra no bolso.
Pátria, maior sob as vigas
de salários e de noites.
Trama detida no curso,
guitarra no calabouço
dos ventos, teu coração.
Guitarra de sol, a pátria
contra o tempo ponteando
corda e faca. Faca e corda.
Corda de dor que se corta
como a vida vai cortando
o pouco que a vida solta.
*do livro
“Árvore do mundo”. 1977.
Passando a
limpo*
Ivan Marinho
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Tão pouco sei de poesia,
Como se algo soubesse.
Que dirá disso que disse
Quem bem sabe que de nada
Pode saber de poesia.
Que a poesia não se tem, não se é
E não se vem.
Se pássaro, voaria longe do
Pretenso a espreitá-lo,
Pousaria em mãos sabedoras
De que poesia está mais pra vôo
Do que pra pássaro.
*do livro
“Anti-Horário”, poemas. Prefácio de Alberto da Cunha Melo. 2000.
Existirmos*
Natanael Lima
Jr
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Acabo
de traduzir o acaso,
existirmos
o que se destina a ser.
O
acaso me serve
no
gozo de sê-lo
tão
infinito, eterno.
Minha
crença, o universo
qualquer
outra não me acrescenta
exceto
a voz
e
a palavra que nomeia.
Existirmos,
o
que se destina a ser?
*do livro “À
espera do último girassol & outros poemas”. 2011.
Paralelo
oito*
Frederico
Spencer
Ao Recife, uma cidade vestida de papel
sobre as águas.
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No teu
dorso de cidade – a giz
traço
no meu caderno tuas rotas
até
onde o medo me cabe:
inventário
de sombras – pátio aberto
sobre o
rio mocambos parasitários
à flor
de tua pele
a fé de
um deus seu povo viça:
pacífico
e atlântico, sul
o leste
desatado – o sol e o mar
trago
do tempo: areia e sal
de teus
mapas
a
solidão de minhas ilhas.
*do livro “Abril Sitiado”. 2011.
O Encanto da Poesia
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