Internet e Literatura - A Produção Literária nos Tempos da Internet

 
por Marcos Lemos*
 
 
 
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Indiscutivelmente a internet ofereceu ao mundo um sistema simples e completo na troca de conhecimento e informações. Isso gerou uma integração sem precedentes na história da humanidade e em um curto espaço de tempo. A internet, como a conhecemos hoje, nesse modelo de acesso e controle civil, não tem mais do que 18 anos e já sofreu uma grande revolução quando passou a ser usada de maneira mais  relacional na virada do milênio.
 
Com a criação dos PCs (computadores pessoais) e aplicativos com interfaces mais amigáveis, gráficas, a internet pôde ganhar a aceitação de um público mais amplo. Mesmo assim, produzir conteúdo e disponibilizar informações na internet era algo complexo, exigia conhecimentos técnicos e teóricos estranhos para a maioria das pessoas. Nesse ponto a internet ainda seguia o modelo unilateral e linear dos outros tradicionais meios de comunicação. A revolução vem quando a internet passa a ser usada de forma mais pessoal e multiforme, mais  centrada no usuário final, colocando nas mãos deles e não de desenvolvedores, a possibilidade de oferecer  conteúdo e relacionar-se pela rede, além do simples e ultrapassado e-mail. Surgem as redes-sociais, weblogs, mecanismos de indexação de conteúdo mais eficientes (não manipuláveis), entre outros tantos modelos que dão ao usuário o poder de escolher. Por todas essas evoluções as mais significativas são: a capacidade que a internet tem de interligar pessoas e informações, muito além do chamado “hipertexto”; bem como oferece a possibilidade de escolha real e classificação do que é relevante para si ou não. Só para ilustrar: Ao ligar a televisão o máximo que nos  é oferecido é a possibilidade de escolher um canal. O conteúdo disponibilizado é produzido arbitrariamente e não há a mínima participação do telespectador. Se você gostar de algo que passa na TV, só resta assistir  passivamente, no exato instante em que passa, sem a liberdade de interromper ou rever nada.
 
Aqui para este trabalho queremos destacar apenas um aspecto de tudo isso que envolve e define a literatura: seu caráter comunicacional. Não podemos tirar, mesmo de uma obra ficcional, seu objetivo de inter-relação e comunicação de um conhecimento ou história, mas também de uma experiência. Oferecer ao leitor a mesma experiência do vivenciar um dado momento e fazer-se presente, mesmo sendo apenas em sua imaginação, mas que torna sentimentos e sensações em algo real. Essa capacidade de comunicação cabe apenas à obra literária e, volto a repetir, tem um caráter de arte. Podemos por assim dizer que a interesse e o empenho da arte literária é comunicar e ampliar as experiências humanas, pela escrita. “O texto literário é, portanto, aquele que pretende emocionar e que, para isso, emprega a língua com liberdade e beleza, utilizando-se, muitas vezes, do sentido metafórico das palavras” (verbete: literatura). Independente da forma e gêneros literários, o texto consegue interligar pessoas, fatos e personagens, transcendendo a experiência do texto meramente informativo e/ou de entretenimento.
 
A expressão humana pela literatura é uma das formas da arte mais complexas e elaboradas. O uso  pleno da linguagem humana e a comunicação de idéias, imagens, culturas e sonhos usando-se apenas da  palavra escrita é um artifício de raro domínio. Para classificarmos um texto como “literário” é preciso observar seu caráter estético e justamente seu empenho artístico, mas isso dificulta ainda mais na hora de  definir o que seja “artístico” e “estético”. Numa definição mais ampla, porém tentando uma solução, encontramos o seguinte verbete:
 
“Literatura pode ser definida como a arte de criar e recriar textos, de compor ou estudar escritos artísticos; o exercício da eloquência e da poesia; o conjunto de produções literárias de um país ou  de uma época; a carreira das letras. (...) Por extensão, se refere especificamente à arte ou ofício de  escrever de forma artística.” 
 
(Verbete: “literatura” in Wikipedia.org)
 
Enfim, o que isso tem a ver com a literatura e a produção literária? Vemos que todos têm potencial para oferecer informações, conteúdo e produzir arte, história, bem como relacionar-se e ir além daquilo que os meios tradicionais de comunicação nos ofereciam antes da internet.
 
Todo esse processo descrito oferece às pessoas, não só coletivamente, mas também individualmente, uma possibilidade de  expressar-se como não era possível. Nem todos podiam publicar um livro e entrar no mercado sem o crivo das editoras e gráficas, seja do ponto de vista financeiro – pelo alto custo de produção de um artigo impresso – seja pelas rigorosas seleções dos editores. Sem contar na dificuldade logística da distribuição, busca do público, publicidade, entre outros insumos. E nem é preciso comentar quão difícil e caro é fazer uso e ter um espaço nos outros meios de comunicação como jornais/revistas, rádio e televisão. A internet abre uma porta para cada indivíduo buscar por si mesmo o espaço desejado e dá a todos o mesmo nível de igualdade, pois não há dinheiro ou sistema de produção, marca e renome que determine o que terá a aceitação do público via rede mundial de computadores. Na internet a “audiência” de algo ou alguém é determinada por escolhas pessoais e não pela imposição do que está na grade de programação.
 
Vamos onde queremos, como queremos e interagimos com isso, concordando, discordando, replicando e somando. Todos são potenciais produtores de conteúdo e cada pessoa conquistada para um determinado conteúdo é um potencial replicador multiplicador, que poderá fazer aquilo chegar ou não a outras milhares de pessoas. A produção intelectual, literária ou de mero entretenimento tem o alcance mundial, sem a limitação do idioma ou mesmo o espaço geográfico. Podemos ser lidos, assistidos e ouvidos em qualquer parte do mundo, por qualquer pessoa e a qualquer instante. Tudo isso dá aos modelos literários o verdadeiro sentido de ser a arte de criar e recriar o texto.
 
Nesse momento temos um novo debate que coloca dois modelos de distribuição de informação  em confronto (ou não): os modelos tradicionais, físicos, analógicos e impressos, contra os modelos virtuais, modernos e digitais. Pensando apenas no livro como conhecemos hoje, em sua forma de papel e páginas sobrepostas lineares, tem resistido ao tempo há séculos. Mas agora com o advento dos computadores e outros eletrônicos com acesso à internet, o formato digital dos livros parece bem mais promissor, até com uma roupagem mais democrática.
 
Se pensarmos apenas nos custos de produção de um livro impresso e todo o seu processo até a distribuição e venda nas lojas, é um caminho logo e complicado, que não está acessível para todos que se quiserem fazer autores/escritores. A grande dificuldade nem mesmo poderia ser o custo financeiro da impressão de um livro, mas passar pelo crivo das editoras que estão cada vez mais focadas no lucro (perfeitamente justo, se estão no mercado) e acabam privilegiando o que é comercialmente viável. O cenário fica ainda pior se buscamos dados da venda de livros em países como o Brasil, com clara aversão à leitura, mesmo a mais básica e cotidiana, que sobre com um grave analfabetismo funcional. Os desafios de produzir mais leitores, e melhores leitores, cabe sempre ao Estado com o processo de educação formal e não há outro meio de vencer o descaso pela leitura que não seja produzindo mais e  mais livros. Assim, volto a repetir, os custos de produção dos livros são altos e o modelo editorial meramente comercial acaba por dificultar o acesso. Até para livros didáticos o Estado precisa intervir com medidas subsidiárias, bancando boa parte dos custos e comprando praticamente toda a produção para distribuição nas escolas públicas.
 
De forma bem objetivas, os computadores e a internet com a capacidade de multiplicação e distribuição praticamente irrestrita poderia solucionar boa parte do problema. Os livros digitais, por outro lado, são de um custo praticamente zero para produção, muitas vezes cabendo ao próprio escritor a elaboração do modelo visual que terá o “e-book” (livro eletrônico). A portabilidade é outro ponto crucial que tem tronado esse modelo de comércio mais eficiente e aceito pelo público em geral. Pesquisas recentes e informações das próprias empresas, como a famosa Amazon.com (http://www.amazon.com) que vende livros tanto impressos quanto digitais, mostra que  a venda de ebooks em seu site superou a de livros tradicionais no ano de 2009.
 
Para os autores a versão digital e a venda pela internet permitem maior autonomia e menor dependência de terceiros. A internet é uma plataforma democrática onde todos podem encontrar seu público alvo, publicar e divulgar seus trabalhos de forma direta, sem intermediários (ou poucos), contando coma a rápida propagação e a qualificação de interesse determinada apenas pelo público. As escolhas do que vale ou não ser publicado não está a cargo de um grupo seleto e dependerá apenas da capacidade de cada um e fazer-se ouvir.
 
Tudo isso é ainda muito recente e novo para todos e tem muita coisa por se definir. Aos poucos o  usuário/leitor vai se adaptando aos novos modelos de leitura e interação com o texto literário. Estes são o alvo de tudo o que é produzido e publicado, mas também não podemos esquecer que aqueles que produzem a informação fazem suas escolhas e podem definir os rumos comerciais da literatura no mundo  moderno.
 
Uns podem apostar mais nos caminhos que o lucro apontar para definir as escolhas e definições que virão, mas os mais otimistas dirão que o padrão será sempre o público e a isso a internet presta um  serviço muito forte: joga nas mãos do grande público a capacidade de decidir o que é relevante e útil, o que  considera informação e como quer interagir e passar adiante. Ninguém consegue controlar as vontades  individuais e suas escolhas legítimas. Mesmo assim só somos capazes de escolhas legítimas e livres quando temos acesso ao conhecimento, à educação efetiva.
 
Os rumos mesmo parecem apontar mais para uma integração entre papel e digital e não há necessidade de um vencer e subjugar o outro. Os meios de comunicação e troca de informações podem evoluir e se descobrir novas formas mais eficientes, mas para todas ainda há lugar. Essa diversidade é que garantirá a capacidade do homem de continuar evoluindo e crescendo.
 
*Marcos Lemos é graduado em Teologia pela PUC-Minas e atualmente estuda Letras FUNEDI/UEMG. É editor do blog www.ferramentasblog.com e autor de um E-book voltado para a produção de conteúdo para a internet via blogs (Blogar: o processo de criação de blogs)
 
 
 
 
 
POEMAS DE NATANAEL LIMA JR, FREDERICO SPENCER, ANTONINO OLIVEIRA JÚNIOR E JUAREIZ CORREYA
 
 
 
Não iremos nos dispersar*
Natanael Lima Jr
 
 
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aqui e agora
estaremos sob as manhãs
persistiremos irmanados
colorindo nuvens
e a cotejar poesia
no coração da vida
 
aqui e agora
estaremos sob as manhãs
persistiremos acesos
plagiando o futuro
nos intervalos do tempo
 
aqui e agora
estaremos sob as manhãs
persistiremos encorajados
reinventando sonhos
e transformando fantasias
 
aqui e agora
estaremos sob as manhãs
persistiremos ávidos
subvertendo e transgredindo
a ordem provinciana das horas
 
aqui e agora
as manhãs estarão em nossas mãos:
não iremos nos dispersar
 
 
*do livro “À espera do último girassol & outros poemas”
 
 
 
 
A vigília*
Frederico Spencer
 
 
 
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Nessas madrugadas
da minha janela
uma estrada agoniza, por fim
as cinzas dessas horas, vagando
o duro dia que virá:
a caneta, o papel, o signo
o texto do asfalto sob o sol, sem esperanças.
O que mira minha janela? Nesta noite,
senão este deserto de solidão
e insônia sob o céu das cidades
as janelas, transpiram o suor
e a caliça desses dias, de medo e aço
me teço, na malha fina
desta noite que arde, urbana
sobre os pilotis, finco
o que sonhei para mim.
 
 
*do livro “Código de Barras”, ainda inédito
 
 
 
 
A primeira acácia
Antonino Oliveira Júnior
 
 
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Não é apenas um cacho de flores
é uma acácia...
também não é, apenas,
uma acácia...
é a nossa primeira,
fecundada, cuidada, esperada
e que nasce para fazer renascer
nos corações justos e perfeitos
o amor pela humanidade.
 
 
Cotidiano*
Juareiz Correya
 
 
 
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O tempo não cabe no dia
e o dia essa humilde e limitada
criação do tempo –
não cabe nas minhas mãos, parceiras
de iluminadas horas em tuas mãos.
Manhãs tardes e noites inconfundíveis
destinadas forças do imutável dia
cota diária de tudo e de todos
o tempo não existe,
nem o território concreto e absoluto
em que instaura e institui o dia
- sua unida e legítima criação.
Em nós vive a nossa concreta
e absoluta existência, em nós unicamente
se manifesta e se inaugura
a manhã a tarde e a noite
- jamais o dia, o invisível dia
filho do inexistente tempo.
 
 
*do livro “Amaricanto Amar América e Outros Poemas do Século 20”


 
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