OS CRAVOS DESOLADOS
por
Diego Mendes Sousa*
Capa: Divulgação
Com Rimance da infância e outros poemas (Editora Penalux, 2020), o
escritor e jurista cearense Dimas Macedo (1956-) comemora os seus quarenta anos
de fecunda criação literária. É o seu décimo segundo livro de poemas, desde A
distância de todas as coisas, obra lÃrica de estreia, que veio a lume em mil
novecentos e oitenta.
Nessa lúcida
trajetória de poeta e de vivente da alma, Dimas Macedo está no auge da sua
maturidade intelectual e no ápice da sua cosmovisão pessimista e desabonadora
sobre as coisas do mundo. Esclarece Dimas: Mundo sem mundo, punhal velho e sem
alça.
Rimance
da infância e outros poemas é uma obra muito singular, com a peculiaridade de
ser também uma agregação de cordéis e de poemas discursivos, para além do
telúrico e do anÃmico, onde Dimas Macedo casa novos poemas, com poemas esquecidos
de distintas épocas inventivas, datados dos anos oitenta, noventa e dois mil e tantos,
em sua ondulação de viajante do tempo e do onÃrico.
Com poemas dramáticos, trágicos,
elegÃacos, românticos e sensitivos, que causam comoção, Dimas Macedo acerta
quando esboça em seu proêmio, que este volume é uma casa de telhado malfeito, cujas paredes foram levadas pelo vento.
Pelo avesso do seu desejo, o livro se sustenta na força do seu olhar
entristecido.
Dimas eleva o seu canto, quer
infância, quer a terra do seu nascimento, para afastar-se do abismo ardente que fere
a existência humana. Há em sua poesia uma liturgia da paixão, uma escritura de
faca que perfura o inconsciente e desvela o agônico sobre nós. A sua poesia
está contida em Deus e enraizada na miséria visceral de ser apenas um homem
faminto de finito: A semente da morte
cantando em minha alma, e toda a sinfonia do mundo no ouvido.
São vinte poemas de vindima, de bagos
preservados. Dimas Macedo deixa entardecer nos poemas as suas dores, as suas
solidões, as suas aflições, as suas tristezas, os seus amores inconsoláveis, os
seus pensamentos desérticos, o seu coração em desamparo, a sua casa despovoada.
O poeta arremata, de propósito, com imagens e sons de Manuel Bandeira e de
Ferreira Gullar, aqui e ali, a indução de que a poesia é uma ressurreição das
vozes clarividentes e também vidência.
O nome Rimance se apropria das feições nostálgicas do passado, em cântico
épico suave, cujo nascedouro vem da identidade e da genealogia de Dimas Macedo.
Sua ancestralidade bebe no Rio Salgado de Lavras da Mangabeira, nas entranhas
do Ceará. A geografia é outra tônica em Dimas, o poeta registra paisagens e
circunstâncias fotográficas seladas com avidez em sua memória. São belÃssimos
os poemas, com especial destaque para Cravos,
Remate, Lagoinha e Asfalto. É altaneiro o poema Escritura, com clave extraordinária.
A poesia de Dimas Macedo possui
cintilações de boa cepa: Deus no carbono
da minha
arte; e a solidão que fica na dor deste poema; e vi as duas paixões da minha
vida: a escritura do ser e as palavras; e a solidão guardada em meus alforjes;
Deixei, então, meu coração sangrar e a vida borbulhar no rio do desvão; Tenho
fome. Fome de me atravessar o espanto.
Rimance
da infância e outros poemas é a nÃtida celebração de um percurso poético vitorioso,
que encontra escoamento na autêntica liberdade de ser o que se é e de
pressentir o que a intuição almeja, com verdade e ascese. Meus louvores a Dimas
Macedo, um poeta de valioso labor, vocacionado e consciente, que opera, através
do seu invisÃvel particular, as melhores elocuções da poesia.
*Diego Mendes
Sousa
é poeta piauiense e curador da obra “Rimance da Infância e outros poemas”
(Editora Penalux, 2020) de Dimas Macedo.
DisponÃvel em:
Poeta
Dimas Macedo / Foto: Divulgação
POEMAS DE DIMAS MACEDO ESCOLHIDOS
POR DIEGO MENDES SOUSA
Remate
O
Salgado é o Rio em que navego,
um
Rio Doce, reflexo de outro mundo,
onde
banhei o EspÃrito, e genuflexo
desabitei-me
da vida e fui ao fundo
do
estuário do ser que atravesso,
qual
um menino de olhos iracundos,
que
sonha com cristais e tange o sino
da
existência, de um jeito mais profundo.
No
Rio Doce da minha meninice,
eu
cavalguei de prazeres e desejos.
Eu
dei um beijo na lua, em suas águas,
e
em sua estepe eu vi as lavadeiras
batendo
roupas, com pernas seminuas,
e
vi as duas paixões da minha vida:
a
escritura do ser e as palavras,
porque
de Lavras provém a partitura.
Fortaleza,
10/12/2018
Paraty
Paraty
deixei a minha vida
e
toda a liberdade
em
nome do Amor.
E
Paraty deixei a minha dor
e
a minha solidão no sino da Matriz.
Em
Paraty, o Amor, como se diz:
em
Paraty, o Amor na contramão.
Deixei,
então, meu coração sangrar
e
a vida borbulhar no rio do desvão.
Paraty,
19/11/2019
Asfalto
Sou
poeta.
É
inadmissÃvel
que
eu não seja poeta.
Meu
poema é de plástico.
Meu
poema é uma bomba
que
explode na miséria
e
se lança no asfalto.
Eis
aqui, portanto,
o
meu poema,
a
minha dor simbólica
e
a minha lágrima,
a
minha metafÃsica
e
a minha angústia
e
as minhas metáforas
elementares.
E
a solidão guardada
em
meus alforjes.
Fortaleza,
2003
Cravos
Se
não fossem
esses
cravos brancos
e
essas densas nuvens
e
esses traços rotos
eu
te ergueria um castelo de flores
no
outono.
E
te daria
dálias
e papoulas
e
te faria a vertigem
completa
dos meus dias,
e
escalaria os teus
lábios
de plumas
e
as tuas mãos macias
e
o teu sorriso largo
e
a tua alma branca de gazela.
Eu
sorveria vinho em tua boca
e
acordes de varejo
em
tuas noites mágicas
e
em tuas tardes
de
luz e de neblina.
Eu
te veria nua
em
manhãs de amor
que
não me chegam
e
que me deixam tonto
e
que me fazem, assim,
tão
triste e tão cansado.
Eu
não teria, jamais,
a
solidão que tenho;
e
não teria, também,
a
solidão que mata
e
a solidão que fica
na
dor deste poema.
Fortaleza,
2003
OS CRAVOS DESOLADOS
Reviewed by Natanael Lima Jr
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