PARA ALÉM DO “aDeus”
por Frederico
Spencer
Miró
e o seu ‘aDeus’
“mais uma tarde está indo
embora
a noite já se arruma com suas luzes”.
Miró
Quando leio um livro de poesia
enfrento, de cara, algumas perguntas interessantes: qual a função da poesia
para o poeta? Qual a função da poesia
para o mundo e ainda, qual a função da palavra para o poeta? O caminho mais
curto, se este existe, é começar pela última pergunta, neste caso “os últimos
serão os primeiros”. A partir daí buscar as respostas que faltam neste
quebra-cabeça.
A palavra é a ferramenta primordial do
poeta para exercer seu ofício. Nesta relação deverá haver além do amor
incondicional, um estreito relacionamento entre ambos, neste caso, o amor não
pode ser platônico, mas carnal.
É preciso, antes de tudo, conhecer o
signo e suas multifaces, esmiuçar sua alma, despir a palavra de seu primeiro
encanto - que é o maior problema para aqueles que gostam de escrever,
entregar-se no seu primeiro beijo. Antes de assumi-la deve-se desconfiar dela,
de sua plástica, de sua estética, de sua prosa. O foco é sua alma, dissecar seu
interior em busca de seus mistérios - qual medusa ela recusa o olho no olho -
portal de seus medos.
Miró mostra esse poder de trazer ao
mundo o conteúdo simbólico de sua alma de poeta, não se entrega à atração
feminina do símbolo, ao contrário, retira dele a substância necessária para
transformar em matéria viva suas inquietações de artista vivente num mundo
antagônico: “As pessoas estão passando / para mais uma segunda-feira / eu
sentado no banco da praça / ainda sou domingo”. Forjando dessa maneira, numa
bigorna, o conteúdo de seu pensamento estético, do seu “estar no mundo”.
No verso: “olhei para o passado / as
folhas do calendário / caindo”, a poesia retoma seu papel, desmistificando-se
em relação ao poeta, de transformadora da realidade, jogando escritor e leitor
a outro mundo: subjetivo e rico de significações, transcendendo o cotidiano
para outro universo sem datas para acabar, o homem alcança sua infinitude
através da escrita, documento de sua estada neste planeta, sem a solidão
aparente da vida: “solidão é no caixa eletrônico / esquecer a senha”.
Assim é Miró e sua poesia, todas as
perguntas foram respondidas.
PARA ALÉM DO “aDeus”
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
07:02
Rating:

Nenhum comentário