O SENHOR AGORA VAI MUDAR DE CORPO – UM BREVE COMENTÁRIO
por Frederico Spencer*
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capa: Divulgação
O filósofo Martin Heidegger dedicou
toda sua vida em busca de uma teoria que libertasse o homem da metafísica
clássica, da dualidade (corpo/alma, interior/exterior) que o aprisionava.
Com a proposta da “metafísica da
subjetividade” cria um novo modo de pensar a existência - a filosofia voltada
para o SER (ontologia) inaugurada no seu livro: Zein und Zeith (Ser e Tempo,
1927), onde apresenta um novo caminho para pensarmos a realidade: o “Ser-no-mundo é o lugar do homem, o
mundo é a morada do homem”, e ainda
mais:
o ser do homem é um "ser que caminha para a morte" e a relação deste
ser com o mundo concretiza-se a partir dos conceitos de sua angústia,
conhecimento e complexo de culpa.
Em seu questionamento clássico: “Por
que há algo no lugar do nada?”,
Heidegger busca os conceitos do há,
como o lugar do SER e do algo, como o lugar do ENTE (objeto, coisa), criando um papel
de relevância para a linguagem e o papel desempenhado por esta na psicanálise,
em sua “metafísica da subjetividade”.
No Livro “O Senhor Agora Vai Mudar de
Corpo”, Carrero, longe das fórmulas pasteurizadas da linguagem atual alcança o
interior das palavras subjetivando-as ao máximo, multiplicando seus
significados, utilizando as metáforas, símbolos e imagens oriundas de um mundo
subterrâneo de um tempo de recuperação, o qual foi jogado após o AVC sofrido
para realçar seu pensamento - do SER em detrimento à objetificação da linguagem
dicotomizada dos dias atuais, arduamente combatida por Heidegger.
Entre ficção e realidade, Carrero
conduz o leitor a um mundo de regeneração da subjetividade humana a partir das
trevas e da luz, das noites e dos dias mal vividos onde aranhas, metáforas
noturnas de sua agonia, qual robôs indestrutíveis maquinam a morte presumida do
homem que tem só metade do corpo para enfrentar um mundo de palhaços,
pernas-de-pau e anões que pululam em sua janela mostrando que há um dia a ser
vivido.
A partir da epígrafe “O corpo é a
única certeza que nos acompanha desde o nascimento até a morte”, de Clarice
Lispector e que abre o livro, o autor nos mostra a luta entre a
“senso-percepção” desfocada de um corpo semimorto e um desencadear de
pensamentos oriundos de uma mente fabril/literária que, tal qual um filme,
quadro a quadro revela a contabilidade desses dias e que, só nos momentos de
solidão total nos questiona, conforme o poeta Jaci Bezerra: “mas o tempo, indiferente aos
necrológios,/boceja gordo de tédio nos relógios,/esculpindo com o barro de quem
foi/a memória de quem virá depois./...A hora em que, severo, o coração/do homem
é o seu próprio tabelião”.
Assim é - O Senhor Agora Vai Mudar de Corpo - imagens de um subterrâneo,
escritas nos lapsos da luz que irrompem pelas frestas de uma janela, para um
final seguindo o Escritor pelas ruas do bairro da Boa Vista, rumo ao
Capibaribe: “La nave naufraga naquelas
águas nojentas, la nave segue os segredos das sombras severas e sujas. La
nave... Quem poderá salvá-lo? La nave salvará o Escritor das sombras severas,
sujas. Salvará?”.
Desta forma, através da busca dos
conteúdos mais profundos das palavras, trazendo um novo sentido para a vida, o
Escritor salva-se salvando o Recife da dor que é perecer no lodo das noites e
das linhas mal vividas. La nave segue, transmutada.
*Frederico
Spencer
é sociólogo, psicopedagogo, poeta, escritor e membro da Academia de Letras de
Jaboatão dos Guararapes.
O SENHOR AGORA VAI MUDAR DE CORPO – UM BREVE COMENTÁRIO
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