Brincar Carnaval em Pernambuco...
por
Adriano Marcena*
Foto: arquivo
www.nacaocultural.pe.gov.br
Apesar de Pernambuco ser conhecido como terra do
frevo ou terra do maracatu, só para ficar nos ritmos carnavalescos, outras
manifestações momescas compõe sua diversidade cultural.
Em lugares distantes da capital, frevo e maracatu
não dão as cartas.
O velho clichê que Pernambuco é a terra do frevo e do maracatu
(de baque-virado) parece não ser tão justo. Se ouvÃssemos, num recorte mais
especÃfico: Recife é a terra do frevo,
cidade onde o ritmo foi se formando ao longo do tempo, ainda assim, estarÃamos
com problemas. Não estamos negando que o carnaval de Pernambuco ou do Recife
não contemple o frevo e o maracatu (de baque-virado) em suas manifestações de
Momo, mas sim afirmando que ele não se limita apenas a tais ritmos. Isso
parece-nos muito óbvio.
A diversidade cultural de uma
coletividade muitas vezes é mascarada pelo favorecimento de alguns poucos
elementos eleitos ou mesmo impostos como rótulo turÃstico ou puramente
mercadológico, normalmente oriundos do centro do poder, em detrimento de um
complexo cultural que representa de maneira menos arbitrária as facetas dos
agrupamentos sociais.
Frevo e maracatu (de baque-virado) são
organismos culturais pulsantes na vida carnavalesca do estado e da capital, mas
o problema inicia quando esses dois componentes não são identificados pela
população interiorana como seus representantes festivos do carnaval. Aliás, em
muitas cidades pernambucanas as evidências do perÃodo carnavalesco são quase
imperceptÃveis e, se não fossem os bailes de carnaval que acontecem no clube
social da cidade para o deleite de uma elite borocoxô, alguns foliões
solitários de tanta embriaguez a passar pelas ruas ou pequenos grupos de
familiares e amigos a brincar o carnaval em carne
e osso (em oposição ao televisivo), o perÃodo passaria quase despercebido.
Basta uma caminhadazinha pelo interior
do estado no perÃodo do carnaval, ou seja, para além da região metropolitana,
para se perceber a debilidade do frevo e do maracatu de baque-virado nos festejos
dedicados ao deus Momo. Caboclinhos, maracatu rural ou de baque-solto são fortes nas cidades da
zona da Mata Norte; Boi de carnaval reina em Timbaúba; Papangu
avassala Bezerros; a Caipora
invade Pesqueira; Caretas esquentam
Triunfo, Bonecos gigantes animam ruas
de Belém de São Francisco muito antes de Olinda e os Tabaqueiros agitam Afogados da Ingazeira. Sem falar que ritmos como
axé music, brega, arrocha, pagode e o que for moda no perÃodo, sepultam
impiedosamente o frevo, reconhecido como patrimônio cultural imaterial da
humanidade pela UNESCO. Aliás, no Recife e Olinda tudo rola, do rock ao brega,
do samba à swingueira. Eis a maior particularidade da cultura: sua dinâmica
que, em muitos casos, desagrada quem a percebe estática.
É sabido que na região metropolitana
há caboclinhos, ursos, escolas de samba e o maracatu de baque-virado, mas isso
não transforma o estado em um templo dedicado aos dias gordos, nem muito menos significa afirmar que frevo e maracatu
se enraizaram no patrimônio festivo de todas as regiões do estado. Isso parece
óbvio demais, todavia a pasteurização parece dizer o contrário. Em certos
lugares de Pernambuco nem o frevo é soprado ou assobiado nos dias dedicados Ã
folia, que dirá outros ritmos que se acredita fazer parte da identidade momesca
de “todos” os pernambucanos. Nem tudo parece ser tão óbvio assim...
A diversidade cultural deve ser
respeitada em sua plenitude, não cabendo frágeis discursos sensacionalistas que
soam muito mais como imposições de cunho hierárquico e de total desrespeito a
muitos pernambucanos que o já manjado jargão da inclusão.
Sábio mesmo foi mestre Ascenso
Ferreira que retirou máscaras, confetes, serpentinas e o fatigado esplendor do
luxuoso brilho do Carnaval do Recife e registrou suas humanas vÃsceras dissecadas, beirando à brutalidade
do velho entrudo, ainda tão entronizado em nós:
“Meteram
uma peixeira no bucho de Colombina
que
a pobre, coitada, a canela esticou!
Deram
um rabo-de-arraia em Arlequim,
um
clister de sebo quente em Pierrô!
E
somente ficaram as máscaras da terra:
Parafusos,
Mateus e Papangus...
e
as Bestas-Feras impertinentes,
os
Cabeções e as Burras-Calus
realizando,
contentes, o Carnaval do Recife,
o
Carnaval mulato do Recife,
o
Carnaval melhor do mundo!”.
Evoé! Evoé! Evoé!
*Adriano Marcena é escritor, historiador, professor e dramaturgo
Brincar Carnaval em Pernambuco...
Reviewed by Natanael Lima Jr
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Surpreendente! Parabéns Adriano.
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