Para quem não gosta de poesia
por Abigail Souza*
No mundo moderno a comunicação vem assumindo uma velocidade inversamente proporcional ao nosso tempo disponível. Este fato tende a nos tornar insensíveis, alheios ao processo de melhoria do conhecimento.
Em
particular, a poesia em toda a sua existência vem cumprindo a façanha de manter
o homem no seu equilíbrio, uma vez que a sua riqueza encontra-se nas
entrelinhas.
Enganam-se
os que pensam que ler e compreender poesia é entender o que ele, o poeta, quis
dizer no seu momento de criação. Não! Além da riqueza vocabular que ela provoca
entendê-la irá depender diretamente do estado de espírito de quem a lê.
Quantas
vezes nos surpreendemos ao reler um poema e descobrimos outros sentimentos
despertos que não aqueles de uma primeira leitura? Assim é a poesia e suas
multifaces.
No
passado, éramos cobrados pela professora de português sobre o que havíamos
entendido e/ou o que significava um poema exposto no quadro negro. Obviamente
cada um expunha um significado diferente. Para ela, o aluno de pensamento mais
próximo era o correto. Todos os demais eram rechaçados nas suas interpretações.
Infelizmente
é alto o índice de professores que não gostam de ler. É só observar numa
reunião com professores: quantos se expõem sobre o que pensam ou até quantos
tentam ler e/ou comentar sobre um texto?
Cabe
ainda outro protesto. O preconceito sobre homens que gostam ou que escrevem
poesia ainda permanece. Com muita sutileza e de forma velada ele vem resistindo
ao tempo.
Viviane
Mosé é enfática no seu livro “O homem que sabe” quando afirma: “Em vez de negar
o sofrimento constitutivo de tudo o que existe, a cultura pode se dedicar a
fortalecer o homem, tornando-o capaz de enfrentá-lo. Podemos vencer a dor
sentindo-a plenamente, utilizando como estímulo a arte [...]”
*Abigail Souza é professora e escritora
*Abigail Souza é professora e escritora
Noumenon, de Rogério Generoso:
o poeta no meio do vazio
por Adriano Marcena*
Cidade cortada por uma multidão que se intitula
poeta, Recife tem em seu passado grandes nomes oferecidos à poesia brasileira.
No Recife, talvez seja mais fácil esbarrar num poeta que num poste de luz.
Poucos
são aqueles que se lançam com obras maduras diante do invejoso asfalto
egocêntrico do Recife e conseguem resistir ao pisoteamento fajuto da emulação
que assusta a muitos.
Outros
tantos poucos seres das letras já nascem quase prontos diante das irrequietas
leitoras retinas. Quase prontos porque bastam em si e não mais que isso: um
constante exercitar-se no meio do vazio em busca da formatação da linguagem
mais cabível ao que escrevem. Tais isolamentos os tornam diferentes dos demais
que o cercam. Arte pelo artífice: artesão, operário, criador, inventor, autor
e, por fim, artista. Não acreditam em arte sem apurar, aprimorar e refinar: a
capacidade de reinventar-se. Ao artista, cabe uma paciência quase monástica
para encontrar o termo certo, o tempo preciso e a forma exata que tecem suas
obras.
Quem não
se resigna às exigências da arte pela reinvenção contínua, precisa utilizar
outros subterfúgios para que seu nome ganhe notoriedade. Normalmente,
procura-se a aprovação, no caso da literatura, de um sacromonstro das letras pernambucanas que recomende ou prefacie
seus verdeguentos escritos. Metralhados serão os que ousarem dizer quaisquer
ofensas aos escritos do protegido, pois certamente será amaldiçoado e condenado
a jamais gozará dos deleites finais do Olimpo egotístico das letras pernambucanas.
Não
obstante, há tantos outros e outros tanatoprácticos que não trafegam por
nenhuma das vias expostas e ‘sobrevivem’ a perambular promulgando seus
trejeitos literários, dissabores estéticos e suas insanáveis necessidades de
ser gente, metade sonho de poeta, metade medo do sacromonstro.
Atrever-me-ei
a lembrá-los de um livro simples, sem grandes pretensões de quaisquer ordens e
que ainda está longe de ser condenado ao literacídio
prematuramente. Trata-se de Noumenon, de Rogério Generoso. Aqui é um
caso à parte, pois não pretende saciar a fome dos sacromonstros e nem deseja desfrutar das delícias do Olimpo.
Longe de
querer ser percebido nas primeiras estrofes, Generoso, afastando-se da provável
adjetivação, cria linguagem elaborada em que o significante é mais importante
que o significado, permitindo que o poeta jogue com suas construções em vários
planos de linguagem sem entregar de mãos dadas o que todo leitor quer:
compreensão imediata do que está lendo. Afinal, que compreensão deseja o
leitor? Quererá ele a compreensão literal da obra ou o entendimento literário
da vida?
Generoso
em sua construção versificante não edifica o nada, o insignificante, ou o
insurgente, mas antes, o todo e sua ressignificação pela linguagem inventiva
humana. Há insânia sede pelos sucos do vazio que se erguem nas têmporas do
poeta. Que monótono abismo deverá o verso vergar-se a espertar o ruído do
infinito? São provocações que me insultaram pós-leituras.
A
provocação do poeta inicia com o título do livro, sugado de neologismo
kantiano: Noumenon. Rogério Generoso deixa claro seu caminhar
seguro pelos labirintos poéticos e, como poucos da sua geração – para me privar
do superlativo – não se perde na mesmice monótona das cores do cais no final da
empreitada nem ignora o poder do Minotauro.
Tristes
fins terão os artistas que não dialogam como silêncio, com o vazio humano e,
como consequência, desejam agradar seu público, pois costumamos nos lembrar
muito mais daqueles que nos cravam, impiedosamente, cruentos punhais da
existência no enovelar líquido das nossas tripas atônitas que aqueles que
querem nos agradar com suas fingidoras metáforas geloses. Artista que não incomoda
é tão inofensivo como um copo d’água fresco o é às células do corpo humano.
Em Noumenon,
o bom leitor precisará estar atento à realidade tal como existe em si
mesma. E o mau leitor, só precisará ler como se a retina tateasse ovos de
plumas. Em Noumenon, de
generoso, tem nada não sobre o nome.
*Adriano Marcena é historiador, dramaturgo e
escritor
POEMAS DE NATANAEL LIMA
JR, ROGÉRIO GENEROSO E CÍCERO MELO
Solilóquio*
Natanael Lima Jr
a praça está vazia...
e
talvez o silêncio
descreva
o que sinto agora
na
solidão da madrugada
sem
amigo e sem poesia
escuto
de minh’alma uma voz silente, fria:
-
por que o teu coração amarga descrenças,
tristezas
e incertezas?
ah,
alma intranquila que és!
à
noite segue-se o dia
e
o canto que te sorves agora
transforma,
acalma e ilumina
talvez
o silêncio da praça
descreva
o que sinto agora
na
solidão da madrugada vazia
*do Livro “À espera do último girassol &
outros poemas”
Que mais há a dizer?
Rogério Generoso
Que mais
há a dizer?
Pátios vazios
féretros
de anjinhos
tomates
rubros de véspera
rumores
do aroma de Dulcinéa
pedras
portuguesas do cais;
ilhas de
Neruda
cores de
Miró
narcisos
amando outros
o rio
Capibaribe sem pontes
a ponte
de ferro sem rio
o
inexistir
A úbere
fêmea
a
ubiquidade de Tánatos
o
terceiro reich, a panaceia
a higiene
dos octogenários
a
literatura pobre da ex-literatura
a poesia
enjoativa decassílaba;
a crisma
a crema o creme chantilly
a
alfazema Hugo Boss, a América
o toque
de recolher, todos os tiranos
a meta:
física, linguagem, etc.
a palavra
CONCRETA, a reta
Que mais
há a dizer num poema?
- Eu
prefiro abrir a janela.
In Generoso, R. Noumenon: poesia. Recife: Ed. do Autor, 2010. p. 26.
Orfeu dilacerado
Cícero Melo
“Descida de Orfeu aos
infernos à procura da
sua amada Eurídice.
Photo: Maicar Förlag – GML.
Agora denomino e me diviso.
Minhas
mãos e braços estão na janela,
Onde
habitam as palavras verdes
E
amarelas do vento ensandecido.
Minhas
pernas estão na fronteira
Do
prazer e da solidão.
Lá,
as línguas não se desatam.
É
o país das palavras vermelhas,
Onde
a noite tece sua condescendência.
O
tronco foi dilapidado no país dos amores inconclusos
Que
devoram todas as cores.
A
cabeça, ó deuses cegos e vazios,
Explodiu
dentro de vós,
Vinha.
Para quem não gosta de poesia
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
10:07
Rating:

Parabéns, Abigail e Frederico, pelos breves textos corpulentos.
ResponderExcluirFelicitações ao domingocompoesia.com por sua contribuição à literatura brasileira.
Abraço, Adriano Marcena.
Valeu amigo Adriano!
ExcluirAbç,
Natanael Lima jr