A poesia de Natanael Lima Jr
VIII Bienal Internacional do Livro de Pernambuco
(Centro de Convenções de Olinda, 2011)
UM GIRASSOL DE SONHO E ESPERANÇA
Luiz Carlos Monteiro
Uma das coisas que podem definir o destino e a repercussão de uma obra é justamente o seu título. Porque mesmo os leitores mais exigentes não escapam à sugestão de um título bem-arranjado. Contudo, não apenas o limiar de uma casa a faz ser conhecida por dentro. É preciso que sejam verificadas suas dependências para se ter uma ideia da estrutura interna que a compõe. Com relação à poesia de Natanael Lima Jr., o título que escolheu para este livro – À espera do último girassol – serve com justeza aos conteúdos e à proposta poética encetada. No mesmo passo, tal título qualifica e enfatiza o poema homônimo presente nestas páginas, sendo isso o que demonstram as imagens fortes e conflitantes nele identificadas: “Podar o sonho, recriá-lo/ no chão batido da alma/ entre nuvens e jardins/ entre rimas e cantos/ e lábios e voz.// Podar o amanhã, reinventá-lo/ à luz de uma nova batalha/ entre mãos que sangram/ e corações que pulsam.// Podar a esperança, renová-la/ ao sol de cada manhã/ entre brotos, folhas,/ flores e frutos,/ à espera do último girassol.”
O ofício do poeta compara-se inicialmente ao ofício do jardineiro. O lavrador de sonhos, para fazer renascer um futuro imaginado, deve ensejar a poda do que é restante, ainda que isso doa à sua própria sensibilidade. Pois de algum modo irá sacrificar pedaços inúteis e apodrecidos de árvores, flores e frutos, vendo escorrer seiva, raízes e sementes. Mas será compensado pelas novas nuances do sonho que retornarem na poesia e na fala. Como se a luta constante e o sofrimento humano se amenizassem na espera reinventada. A esperança vai ser mantida através da experiência paradoxal do que se sonhou e não se viveu e que agora se revela num tempo caracterizado por um caos galopante e progressivo. Esta não é uma tarefa fácil, e apenas a poesia será capaz de reaquecer essa esperança ainda viva, que tem necessidade de ser alimentada constantemente.
Em outros poemas logra desenvolver mais temas de sua preferência: a solidão e o companheirismo, o tempo e as coisas ditas universais, o silêncio e a dicção que requer maior estridência. Tudo isso entremeado por recortes da vida cotidiana. Não escapam à sua percepção as alegrias e insolvências do convívio humano, os relacionamentos que se constroem e se desmoronam ao compasso do tempo. Novamente aparecem imagens-metáforas de choque e confronto, como no poema “Voz por toda parte”: “um acordo fiz contra o acordo:/ jamais ressuscitar a dor,/ ser amor presente/ e voz por toda parte”. Ou nas duas estrofes de “Premonição”: “A cidade aflita deixa existir:/ o caos, o medo, o pânico/ em mim.// O medo prometeu/ embora (ainda) acorrentado/ transgredir o fim.”
Natanael Lima Jr. publicou, na década de 1980, os livros Clarear, Universo dos meus versos e Folhas poéticas. Continuou a escrever, editou jornais alternativos e interagiu com outros poetas. E participou do ambiente cultural e literário de cidades como Cabo de Santo Agostinho (onde nasceu) e Jaboatão dos Guararapes (onde reside).
Somente agora se decidiu a mostrar um novo trabalho, que contém, nas páginas finais, talvez para lembrar sua persistência na escrita, poemas mais antigos. Aqui se detecta um sinal claro de que não abandonou a poesia, feito outros que a deixaram por atividades mais sóbrias ou rentáveis.
Em À espera do último girassol outro dado importante é a seleção de poemas, que somam um número relativamente pequeno, mas que configuram um livro enxuto e criterioso. Uma preocupação com a técnica literária permeia esses poemas, embora não se traduza em obsessão ou ideia fixa. E assim é que tudo nos seus versos parece ser pensado, provado, experimentado e ao fim ajustado a formas relevantes em sua consecução. Quando o poema parece ter alcançado um nível simplificado de compreensão, o autor introduz uma metáfora mais arrojada, um insight mais ousado para levar o leitor a pensar. De perplexidade e espanto, de numerosas surpresas é também feita e elaborada a poesia. Os poemas de Natanael Lima Jr. assumem esses e outros efeitos instigantes e os transmitem aos seus possíveis leitores. Leitores que também são poetas em sua empatia, irreverência ou isenção, e que guardarão a alegria e o privilégio de lê-lo.
(Prefácio de “À espera do último girassol & outros poemas”, escrito pelo poeta e crítico literário Luiz Carlos Monteiro, um mês antes do seu falecimento, Recife, junho, 2011)
DOIS POEMAS DE NATANAEL LIMA JR CLASSIFICADOS NO XXXIII CONCURSO INTERNACIONAL LITERÁRIO – EDIÇÕES AG – SÃO PAULO - 2011
Rumor de estrelas
Que céu permanece
infinito em nós?
Quem o enxerga
além da limitada vista?
Companheiros,
não se dispersem
na caminhada incerta,
permitam ascender mundos,
arrolar sonhos;
permitam ascender estrelas,
arrefecer trevas.
Companheiros,
cada instante é único
na caminhada de trôpegos e vacilantes
passos.
Sutilíssima
é a existência humana,
tudo transcende
e tudo germina.
(do livro À ESPERA DO ÚLTIMO GIRASSOL & OUTROS POEMAS, Edições Bagaço, 2011)
Elegia a Hamlet II
[...] A natureza está em desordem... Execrável inquietação!
Oh! Nunca eu tivesse nascido para castigá-la!
(Shakespeare, Hamlet)
compadece-te de nós
que albergamos as dores
as aflições, os tormentos
& as traições que retalham os corações
tudo está consumado
não haverá palavra sobre palavra
& a voz altissonante
emudecerá
o amanhã
nada mais nos resta a crer
a palavra jaz morta
oh! inquietação execrável!
o que virá depois
nada mais importa
quero o silêncio das horas
& a vertigem dos passos
incautos
(do livro À ESPERA DO ÚLTIMO GIRASSOL & OUTROS POEMAS, Edições Bagaço, 2011)
POEMAS DE ANTONINO OLIVEIRA JÚNIOR, JUAREIZ CORREYA, LUCILA NOGUEIRA E CÍCERO MELO
Viagem nos tempos
Antonino Oliveira Júnior
Nada de nosso amor é de hoje.
Nas viagens que fiz nos tempos
Jamais estive sozinho;
Em todas as paradas lá estavas
Eras Márcia, Marluce, Verônica
E te amei como Mary, te amei como Maryllin,
Como Yoko em meus braços
Deliravas de paixão
E como John, Antonio, Luis,
Johnny, Phill, Crhistophe,
Curti você em Paris;
Nas viagens que fiz nos tempos
Amamos como dois loucos
Nos trens malucos da vida...
E nesta parada de agora,
Festejo o maior dos amores
Agora como o eu de hoje
Nos braços amorosos da amada,
Nos braços de você agora, Luiza.
Quando a gente ama (Poema para Márcia)
Juareiz Correya
quando a gente ama
mil formas de querer
o corpo proclama
os dias se inventam
de sóis infinitos
tardes são frutos
de horas benditas
e as noites se enfeitam
de estrelas ardentes
um brilho sem fim
explode olhares
as carnes inflamam
peles luminosas
e só alegrias
os corações festejam
nascidos de novo
no tempo dos beijos
na amplidão das carícias
nas galáxias do gozo
no prazer sem medida
a vida é mais vida
quando a gente ama
mil formas de querer
o corpo proclama
os dias se inventam
de sóis infinitos
tardes são frutos
de horas benditas
e as noites se enfeitam
de estrelas ardentes
um brilho sem fim
explode olhares
as carnes inflamam
peles luminosas
e só alegrias
os corações festejam
nascidos de novo
no tempo dos beijos
na amplidão das carícias
nas galáxias do gozo
no prazer sem medida
a vida é mais vida
quando a gente ama
(Palmares, 2004)
Despedaça-me
Lucila Nogueira
a Maria da Anunciação de Sá Aragão
despedaça-me
mas não me deixes inacabada
palácio inviolado em memória do nada
regressão miserável às visões abstratas
despedaça-me
mas não me deixes miragem na vidraça
porque eu sei satisfazer a tua carne
mesmo assim aérea na alucinação
(do livro MAS NÃO DEMORES TANTO, Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2011)
Netúnia
Cícero Melo
A sedição do mar me traz as seivas
Dessa canção de azul e de salsugem.
Aqui, as garras do vento, glaucas, rugem
Em venéreo motim, salgadas eivas.
A sedução do mar me dá sustento
Na ternura dos olhos renascidos.
Ó luxúria de azul, fluidas libidos!
Ó aquáticas vulvas, cios de vento!
Ó talássico leito, equônea égua,
Em teu ventre fermento e forjo rotas
De lira lúdica a te amar sem tréguas!
Ó mar, seduz-me o amargo dessas notas
De anil e sal, erotizada légua
Do vôo incandescente das gaivotas!
Dessa canção de azul e de salsugem.
Aqui, as garras do vento, glaucas, rugem
Em venéreo motim, salgadas eivas.
A sedução do mar me dá sustento
Na ternura dos olhos renascidos.
Ó luxúria de azul, fluidas libidos!
Ó aquáticas vulvas, cios de vento!
Ó talássico leito, equônea égua,
Em teu ventre fermento e forjo rotas
De lira lúdica a te amar sem tréguas!
Ó mar, seduz-me o amargo dessas notas
De anil e sal, erotizada légua
Do vôo incandescente das gaivotas!
(O VERBO SITIADO, Edições Bagaço, 1986)
A poesia de Natanael Lima Jr
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Seleção maravilhosa!
ResponderExcluirEste blog é uma maravilha!
ResponderExcluirParabéns, Natanael!
Cicero Melo
Natanael, velho mestre da poesia, agradeço pelos elogios... apenas contribuindo para a cultura neste país, "abandonado" ...
ResponderExcluirAchei sensacional o seu blog .. é de todas as honrarias... seja sempre bem vindo a Academia Alquimia das Letras... um forte abraço...
Carlos...