CLÁUDIO AGUIAR: BAILE DE LUZ
Postado por DCP em 29|05|2022
QUATRO
POEMAS SELECIONADOS DO LIVRO BAILE DE LUZ*
COPLAS À AMADA
Que quer na vida a
mulher?
Um querer.
E por que tanta
vaidade?
Pela idade.
E que há no seu
coração?
A razão.
Por isso, a minha
beldade
vive pensando na ação
que faz da felicidade
querer, idade e razão.
Um perigoso temor?
É o amor.
Por que sem ele não sigo?
Por castigo.
Como mudar o timão?
Com perdão.
Destarte, não sei que
faça,
sem ele não vivo não.
Por isso estou em
desgraça,
Amor, castigo e perdão.
Qual é o estado
primeiro?
O solteiro.
Qual a dádiva querida?
Nossa vida.
Qual dos males o menor?
Viver só.
É bom logo esclarecer,
pois de mim ninguém tem
dó.
Desde agora vou viver
a vida, solteiro e só.
MEU JUÍZO FINAL
Antes que chegue a dura
tempestade,
haverá tempo de
recompor um olhar,
saltar a lágrima
solitária
à memória daqueles que,
um dia,
perdidos, não se
padecem por nós?
Antes que chegue a dura
tempestade,
cobrindo-nos com risos
desconcertantes,
não sei se o tempo
incendiará
(em virtude do medo de
mim mesmo)
As horas más que faltam
ser vividas.
Antes que chegue a dura
tempestade,
queria voltar ao ponto
inercial
e viver outra vez,
tornar a ser
o que covardemente
reprimi,
pensando da tempestade
escapar.
TESTEMUNHO
Ao lado vejo a imagem
clara e nua
que caminha no bosque à
sombra tua.
não tens no corpo
nenhuma ferida,
porque já retornaste à
plena vida.
Hoje aprendi, com
passos sobre a rua,
que ali morreram
deusas, sonhos, lua,
talvez ornados, prantos
pra partida,
matéria solta, livre
guarida.
Um dia, quando o tempo
mais passar,
entenderás o que te vou
dizer,
pois a mim não mais
sonhos só virão
criar fantasmas, monstros
rebrotar,
porque no fogo corpos
vêm trazer
nossas almas em longa
combustão.
AUSÊNCIA
Não são ausentes os que
estão fora de nós,
mas os que não podem
sair de nossa mente;
ou os que amamos no
passado e hoje, sós,
não conseguimos
esquecê-los no presente.
Um dia vi um, dois,
três, muitos, talvez mil
rostos alegres, sorrindo
com a manhã.
Então os preservei na
lembrança infantil
como se não tivesse fim
aquele afã
de pensar que na vida
nada vai mudar.
Porém, como é tristonho
comprovar com anos,
que o rosto de criança
deixa de sorrir
e vemos que tudo é
somente um repassar
de sonhos ou um somar
de muitos desenganos,
até que a morte vem e
diz: “Tu vais partir”.
*Poemas extraídos do
livro Baile de Luz, Rio de Janeiro, RJ: Ibis Líbris, 2019.
Cláudio
Aguiar nasceu no Ceará, em 1944. É formado pela Faculdade
de Direito do Recife e Doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha).
Publicou cerca de trinta de livros nos gêneros de romance, teatro e ensaio. Tem
livros traduzidos e publicados em russo,
francês e espanhol. Baile de luz é o seu terceiro livro de poesia.
Pertence a Academia Pernambucana de Letras, Academia Carioca de Letras e atual
presidente do PEN Clube do Brasil.

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