CLÁUDIO AGUIAR, O PRIMEIRO VOO
Postado
por DCP em 02/05/2021
Cláudio Aguiar I Foto:
Reprodução
O
PRIMEIRO VOO
Para Maria Sofia
“Canta, canta, pintassilgo,
Vem cantar no meu jardim.
Vem mostrar teu lindo silvo
Livre e pertinho de mim.
Não te prendo na gaiola
– Cadeia de egoísta –
Não nasceste para o choro,
Mas pra viver em voo livre”.
Era uma vez um
pintassilgo que se casou com uma pintassilgo delicada e generosa.
Todos os dias voavam
pela região em busca de cardos e outras comidas e também de água potável para
saciar a sede. Por onde passavam cantavam muito e os animais e os pássaros que
viviam por perto deles ouviam com agrado aquela música maviosa.
O tempo passou rápido
e um dia a pintassilgo disse para o seu marido que estava sentindo algo
diferente e não poderia voar com ele naquele momento. Preferia ficar repousando
no ninho.
Mais tarde, ao abrir
os olhos depois de um sono repousante, ela descobriu que a dorzinha que sentia
na barriga nada mais era do que um ovinho que queria sair. Ela se acomodou
sobre as palhas secas do ninho e pôs o primeiro ovo de sua vida.
Ficou muito alegre e
imaginou que deveria proteger aquele novo rebento com suas asas. Foi esse
cuidado que, com certeza, sua mãe tomou quando ela nasceu. Além do mais, temia
que as cobras e outros bichos predadores viessem comê-lo. Antes de cobrir o
ovinho com as asas, olhou para ele e viu que era bonito, diferente de todos os
ovos que já havia visto, porque não era todo branco. Em algumas partes surgiam
manchas rosadas.
Quando o marido
pintassilgo chegou, ficou impressionado com a novidade e, após pular de alegria
disse que, enfim, daquele ovinho iria nascer o primeiro filho, um pintassilgo
forte e belo para fazer companhia a eles.
Dito e feito. Com
alguns dias, o ovo que ficara sempre protegido pelas asas mornas da pintassilgo
começou a se mexer sozinho. Apareceu um rachão em um dos lados, foi crescendo
devagar e dele surgiram os primeiros sinais de um bichinho informe, todo
molhado, a mover-se desordenadamente, sem parar. A seguir, a mãe viu que ele
tinha o pescoço pelado e comprido.
Logo ele aprendeu a
abrir o biquinho para que sua mãe colocasse em sua garganta a porção de
alimento necessária para matar a fome. Ele comia muitas vezes por dia e seu
crescimento era notado a olhos vistos pelos pais.
Com uma semana
apareceram os primeiros pelinhos que se transformariam, lentamente, em penas
coloridas. Então, ele passou a emitir os primeiros sinais sonoros com o
biquinho que nem parecia um bico, mas uma impressionante fonte sonora... Era dali que sairia o mesmo canto que seus
pais entoavam todos os dias com a chegada do sol sobre os arvoredos.
O tempo passou e, um
dia, de tanto ver que seus pais saíam para caçar comida, ele decidiu olhar do
ninho para os lados, para baixo e para o alto. Notou que poderia também voar,
pois já dispunha de asas e de muita força de vontade para empreender um passeio
pelo entorno.
Colocou os dois pés
sobre as palhas da beirada do ninho e arriscou o primeiro voo exatamente na
hora em que outros pássaros bem acima dele voavam na direção de serra distante.
Os outros pássaros se divertiram com o voo do
jovem pintassilgo, que ora subia, ora baixava de peito erguido com as penas em
amarelo furta-cor. O voo seguia de forma ondulada pelo céu e dava para ver e
destacar o seu bico cônico em tonalidade de marfim firmemente justaposto sobre
a crista grená, estufada contra o vento. Ele voava e voava... e sentia-se
feliz.
Era por ali que seus
pais todos os dias também voavam. O pintassilgo, decidido, continuava a voar
por aquelas paragens. Forçava movimentos para baixo, depois para cima, de lado,
mergulhava e voltava a tomar altura. Sentia o vento brando passar por seu dorso
pardo contrastando com as cores tricolores da cabeça e da cauda com suaves
manchas brancas e pretas.
O voo durou pouco e,
de repente, ele sentiu que ia cair. Tropeçou em galhos e agarrou-se com firmeza
em algumas folhas, evitando a desastrosa queda livre sobre a terra pedregosa.
Enfim, chegou ao
chão. Onde ele caiu, após permanecer imobilizado e recuperar-se por alguns
instantes do susto, observou o entorno e viu que por ali não havia animais
perigosos. Esperou um pouco e tentou novamente levantar voo.
Dessa feita, viu que
tudo seria diferente. Alegre, ganhou altura e velocidade. Aos seus ouvidos
chegava um som ensurdecedor. Ele não sabia o que era aquilo. A verdade é que
somente bem mais adiante foi que ele descobriu estar sendo levado por
surpreendente e estranha ventania. Ela o levava para um lugar desconhecido.
Como ele não tinha forças para reagir e livrar-se dela, não se incomodou e
achou até bom voar com tanta velocidade. Já não lhe importava nem saber para
onde estava sendo levado. Ele nem sequer sabia que no mundo tinha tantas forças
misteriosas e incontroláveis como aquelas que chamavam de tempestade... Também
existiam muitas pessoas malvadas que prendiam pássaros em gaiolas para seus
deleites e prazeres. E o pior: muitas dessas pessoas preferiam engaiolar
pintassilgos por causa de seu belíssimo canto. Outras se compraziam até em
organizar competições de pintassilgos para ver e ouvir quem cantava melhor.
Mais tarde, o vento
diminuiu e ele conseguiu pousar em ramo de frondosa árvore. Então, depois de
algum tempo, descobriu que estava com fome e sede. Aí, sentiu a falta da mãe.
Por que ela não aparecia para lhe dar de comer? Abriu o bico, cantou
chorosamente várias vezes, mas ela não veio com a comida.
À medida que o tempo
passava mais aumentavam a fome e a sede. Ele continuava a olhar para o alto, a
abrir o bico, mas nem o pai nem a mãe apareciam. Lamentava-se cada vez mais e
nada de especial acontecia. Somente a fome e a sede cresciam.
Em certo momento ele
achou que iria perder os sentidos e cair do galho onde estava. Aí, o tempo
começou a escurecer e o vento aumentou de tal sorte que a árvore começou a
balançar e ele, apesar de ter os pezinhos firmes sobre os galhos,
desequilibrou-se e caiu no chão. Perdeu os sentidos e ficou desacordado por
muito tempo. Foi então que ele sonhou estar com seus pais no conforto de seu
ninho, construído carinhosamente por sua mãe, forrado com musgos, ervas cheirosas
e pedacinhos de raízes secas.
Bem mais tarde,
quando conseguiu abrir os olhos, notou que das nuvens, lá no alto, começavam a
cair pingos de água sobre seu corpo. Como ele tinha sede, abriu e levantou o
bico e a água fria e cristalina devagar começou a escorrer por sua garganta,
matando a sede. As forças lentamente começaram a voltar e ele, recuperado,
percebeu que poderia levantar voo e procurar comida. E assim fez.
Com muito esforço
bateu asas e levantou voo para o galho de uma árvore e dali, após observar como
o mundo era grande e sem fim, decidiu voar em direção a um arvoredo onde
parecia existir água e sementes de todos os tipos.
Ainda de longe notou
que outros pássaros também voavam para lá. Quando chegou perto, fez outra
descoberta interessante: nenhum pássaro comia pelo bico da mãe. Todos avançavam
para os frutos maduros e começavam a bicá-los com determinação. Arrancavam os
pedacinhos, puxando para um lado e para o outro até ficar no tamanho adequado a
passar sem perigo pela estreita garganta. Ele, então, fez o mesmo e passou a
bicar a primeira fruta mais próxima. Era gostosa, embora não tão adocicada como
as que a mãe lhe colocava em sua boca todos os dias. Não perdeu tempo e comeu
animadamente como se fosse um pássaro grande.
Quando a noite foi
chegando, ele, após andar por toda aquela região, voltou para seu ninho.
Encontrou seus pais nos galhos da árvore ainda acordados. Cantou firme para
eles, como se desejasse dizer que, enfim, aprendera não só o caminho de volta,
mas também outras coisas importantes naquele dia. A principal delas era que ele
não mais precisaria abrir o bico e ficar esperando que a mãe viesse colocar
nele a comida diária.
Abraçaram-se,
beijaram-se e foram dormir felizes.
No dia seguinte, ele
acordou cedo e voou com seus pais em busca do lugar das boas frutas, das
sementes maduras e da água cristalina, a fim de saciaram suas necessidades.
Foi, então, que sua mãe, em dado momento de descontração disse-lhe que todas as
frutas, sementes e boa água pareciam cair do céu, por obra e graça de uma
entidade divina e bondosa.
Era verdade, porém,
mesmo assim, eles deveriam fazer as suas obrigações: vir até elas e comê-las.
Por que? Porque nossa mãe, infelizmente, como acontece com todas as coisas, não
vive para sempre. Por isso, precisamos buscar o melhor para nossas vidas,
nossos parentes, nossos amigos. Não fazer o mal a ninguém. Ademais, não se pode
viver só. O mundo foi feito para todos.
A seguir, felizes, voaram e desapareceram no horizonte!

Parabéns sem, para o nosso Cláudio Aguiar - homem das Letras e amigo querido! Beijos
ResponderExcluirParabéns sempre...
ResponderExcluirEsse pintassilgo canta no seu jardim? Parabéns pela descrição minuciosa.
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