ALMADA NEGREIROS: UM TALENTO MULTIFORME
Postado por DCP em 24|07|2022
Por Maria
de Lourdes Hortas*
José
Sobral de Almada-Negreiros nasceu a 7 de abril de 1893 na
cidade de Trindade, em São Tomé e Príncipe, país insular africano (África
Central), antiga colônia portuguesa, e
faleceu em Lisboa a 15 de junho de 1970. Realizou estudos básicos em Lisboa
e Coimbra e fez curso de pintura em Paris. Viveu alguns anos na Espanha,
sobrevivendo como artista plástico, decorando teatros e edifícios públicos.
Poeta,
pintor, conferencista, dramaturgo, ator e bailarino, Almada-Negreiros, figura
das mais instigantes e controvertidas da primeira vanguarda modernista em
Portugal, foi, sem dúvida, uma das mais notáveis personalidades da cultura
portuguesa de todos os tempos.
O
encontro entre Almada-Negreiros e Fernando Pessoa data de 1913, no clima de
tensão que antecedeu a 1ª guerra mundial. Fernando Pessoa contava 25 anos e já
pontificava entre um grupo de intelectuais que frequentava o Café “A
Brasileira”, entre eles o poeta Mário de Sá Carneiro e o artista plástico Santa
Rita Pintor. Falava-se então de Modernismo, movimento estético pós-simbolista,
derivado das ideias que sopravam de França e Itália. De todos os jovens que ali se reuniam, Almada
era o mais vocacionado para o Futurismo, movimento alicerçado nas ideias do
italiano Marinetti. Por sua coragem e veemência, logo arrancou elogios de
Pessoa, que, em carta ao escritor Corte Rodrigues, referiu-se a ele como “um
homem de gênio absoluto, uma das grandes sensibilidades da literatura moderna.
Catalizador dos anseios
de renovação perante os padrões estético-literários pré-estabelecidos, Almada,
em seus manifestos anticonvencionais e agressivos, guerrilhava contra a
solenidade acadêmica, o passadismo, a erudição, a retórica, o lugar comum, o
provincianismo e o conformismo da sociedade portuguesa da época. Com toda a
garra da sua juventude genial, sonhava reinventar a sua pátria, conclamando os
poetas a se projetarem no futuro, cantando um novo homem, liberto do
sentimentalismo decadente.
De atitudes polêmicas e
irreverentes, escrevia, pintava e bailava, apresentando-se em público de
macacão e barrete de camponês, escandalizando os intelectuais e acadêmicos da
época. O ponto culminante do seu
percurso aconteceu a 14 de abril de 1917, quando proferiu uma conferência-manifesto
no Teatro da República, (depois Teatro São Luís).
O momento histórico era
dos mais conturbados, não só pela Guerra de Flandres, mas pela velha oposição
monarquia-república. Os rapazes do Orpheu eram olhados com a complacência e o
pouco caso com que se olham os loucos inofensivos. Mesmo bastante anunciada, a
conferência não levou ao teatro um vasto público. No dia seguinte, no jornal
lisboeta A Capital, em matéria intitulada “O elogio da loucura”, não foram
poupados comentários irônicos: “Teve uma reduzida assistência de algumas dúzias
de jovens intelectuais, de vários artistas, escritores e conhecidos
jornalistas, o que demonstra que, da parte do grande público, ainda não se
manifestou pelo apostolado do conferente demasiado entusiasmo”.
Almada-Negreiros, além
de ativo colaborador da revista Orpheu, foi um dos fundadores da
publicação Portugal Futurista. Escreveu poesia, teatro, manifestos e um
romance. Todavia, como poeta e escritor, no conjunto de sua vasta e
diversificada obra, Almada Negreiros não encontrou o rápido reconhecimento e,
muito menos, a fácil afinidade, o seu valor só sendo reconhecido muito mais
tarde, pelas gerações que se seguiram. A propósito, o crítico e poeta Jorge de
Sena afirmou que, “(...) pelo poder de veemência apostrófica e pela força
irônica, graciosidade formal e profundeza de visão (...) Almada possui uma
criação poética sempre vigorosa(...), com um poder de abstracionismo
geometrizante, muito concorde com as orientações predominantes do seu
entendimento plástico do mundo”.
Aliás, foi como artista
plástico que Almada mais se consagrou. Segundo a crítica especializada, era um
desenhista de rara sensibilidade e força, além de caricaturista irreverente.
Inegavelmente influenciado por Picasso, rejeitava todos os antecedentes históricos.
Como pintor, destacam-se os seus pierrôs e arlequins. No entanto, sua arte
maior ficou imortalizada em murais e vitrais, que podem ser vistos em vários
pontos de Lisboa, como o mural da Estação Marítima e os vitrais da Igreja de
Nossa Senhora de Fátima. Ainda nesse campo, ocorreu a sua obra mais
significativa, realizada na sua última fase: trata-se de um painel, gravado em
pedra e pintado, avivado em tintas fortes e sulcos, misto de poesia e ciência,
intitulado Começar, que se encontra na Fundação Calouste Gulbenkian.
Formado por quatro globos dispostos na horizontal, nele se representam
continentes fabulosos e ilhas encantadas, trabalho despojado e luminoso,
anunciando a chegada de um novo tempo.
Por outro lado, a
imagem mais conhecida e, diria mesmo, definitiva, de Fernando Pessoa, foi
fixada por Almada-Negreiros 21 anos depois da morte do poeta.
Na voz do grande
escritor e filósofo Eduardo Lourenço, Almada-Negreiros , na maturidade,
tornou-se “um mago, certo de ter encontrado a chave de si mesmo e do mundo.”
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*Maria de Lourdes
Hortas é poeta, ficcionista e colaboradora do site
DCP
Fantástico trabalho de Lourdes Hortas, Lourdes Sarmento
ResponderExcluirMuito me acrescentou este excelente artigo vindo das Hortas de Maria.
ResponderExcluirExcelente texto sobre o multi-artista Almada-Negreiros e o Modernismo Português. Antológico.
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