BARDOS DO CAPIBARIBE: ANA CRISTINA CESAR
Por
Neilton Lima*
Postado por DCP, em 06/03/22
Feliz do Ser que tem por missão escrever a respeito
da Arte, ainda mais se o foco é a Literatura, conectando-a com as Obras, Vozes
e a Educação. A Coluna BARDOS DO CAPIBARIBE objetiva divulgar, através das
palavras deste leitor, antes de tudo, crítico por ofício, o amor pelas
produções literárias, em especial a pernambucana, produzida aqui ou que
tematiza a riqueza, muitas vezes ainda ignorada, de nossos(as) escritores(as),
homens e mulheres ávidos(as) de ideias, sonhos, imagens e sons, no intuito de,
junto a eles, invadirmos a íris e o coração de cada leitor(a). Bem como
homenagear, discutir as contribuições importantes para a Literatura Brasileira.
A escritora, aqui homenageada, Ana Cristina Cruz
Cesar, nascida no Rio de Janeiro (RJ), em 2 de junho de 1952, viveu “em
estado de emergência”, conforme anuncia Florência Garramuño, estudiosa de sua
obra. Faria 70 anos de vida e, por viver intensamente, dialogou com áreas
múltiplas e distintas: a poesia, o cinema, a crítica literária e a tradução.
Pluralidade esta, norteada por ser Licenciada em Letras pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 1975, ampliada pela
dissertação de Mestrado na Escola de Comunicação da UFRJ, que resultou na
publicação, em 1980, do livro Literatura não é documento, fundamental pesquisa
de documentários sobre escritores(as) e Movimentos literários do Brasil. No
referido ano, Heloisa Buarque de Hollanda, sua professora e fundamental
divulgadora da Obra, a incluiu na Antologia 26 poetas hoje, anunciando a
Geração daquela década, cujos intérpretes traziam uma liberdade estética
incomum, que aproximava leitor(a) e poesia via informalidade e aparente
improviso. Porém, Ana Cristina assim reverberava o artesanato poético em sua
poesia “É muito construída, muito penosa” (In: https://ims.com.br/titular-colecao/ana-cristina-cesar)
A escritora estudou na Universidade de Essex, na
Inglaterra, onde recebeu o título de Master of Arts (M.A.) por seu trabalho
Theory and Practice of Literary Translation, em 1980. Nesta época produziu
diversos escritos (ensaios e textos sobre tradução e literatura). Em 1982,
publicou A teus pés, coligindo seus três primeiros livros: Cenas de abril
(1979) Correspondência completa (Prosa, 1979) e Luvas de pelica (Diários,
1980). Até 1979 foi professora de língua portuguesa e inglesa, dedicando-se,
também à intensa atividade jornalística e editorial, colaborando para o
Conselho Editorial da Editora Labor, no Suplemento do Livro do Jornal do
Brasil, no jornal Beijo (até 1977), Isto É, Correio Braziliense e outros.
Enquanto literata fez parte de um grupo caracterizado como “geração mimeógrafo”
nos anos 1970-1980, a dita Geração Marginal, contextualizada por sua produção
nos conhecidos “anos de chumbo”, na década de 70, marcados pela Ditadura
Militar no Brasil.
Ana Cristina Cesar falece, aos 31 anos, no Rio de
Janeiro, em 29 de outubro de 1983. Seu acervo literário ficou, a princípio, na
casa do amigo de vida, Armando Freitas Filho, que assim a anunciou, ao vê-la
pela primeira vez: “Sua primeira aparição / foi na ponte do pátio da
primavera/revelado em nítido p /b. / Só você estava em tecnicolor. / A partir
da sua tez, da sua roupa / do olhar azul inquiridor todas as cores se
concentraram / na sua figura e no seu tênis fúcsia. (FREITAS FILHO, Armando.
In: CESAR, 2013, p. 13 apud Ana Cristina César: entre escritas de si e poesia
marginal, SILVA, Emilly Fidelix da Silva, Revista Vernáculo: UFSC, 2018). Ele
que, com a ajuda de Maria Luiza, mãe de escritora, e da amiga Grazyna Drabik,
organizou, a partir do material, a edição de Inéditos e dispersos (prosa e
poesia), de 1985. Em 1998, a editora Ática associa-se ao Instituto Moreira
Salles e relançam a obra da autora, da qual foram publicados A teus pés e
Inéditos e dispersos. Em 2008, a professora Viviana Bosi, da USP, após
localizar os conjuntos organizados pela própria poeta sob os títulos de
“Prontos mas rejeitados”, “Inacabados”, “Rascunhos/primeiras versões”, “Cópias”,
“O livro” e “Antigos & soltos”, publica a seleção em edição fac-similar
pelo Instituto Moreira Salles, intitulada Antigos e soltos.
Soneto
Pergunto aqui
se sou louca
Quem quer
saberá dizer
Pergunto
mais, se sou sã
E ainda mais,
se sou eu
Que uso o
viés pra amar
E finjo
fingir que finjo
Adorar o
fingimento
Fingindo que
sou fingida
Pergunto aqui
meus senhores
quem é a
loura donzela
que se chama
Ana Cristina
E que se diz
ser alguém
É um fenômeno
mor
Ou é um lapso sutil?
30 de agosto.
Hoje roí cinco unhas até o sabugo e encontrei no cinema, vendo Charles Chaplin
e rindo às gargalhadas, de chinelos de couro, um menino claro. Usei a toalha alheia
e fui ao ginecologista (Simulacros de uma solidão).
Ontem na recepção virei inadvertidamente a cabeça
contra o beijo de saudação de Antônia. Senti na nuca o bafo do susto. Não havia
como desfazer o engano. Sorrimos o resto da noite. Falo o tempo todo em mim.
Não deixo Antônia abrir a boca de lagarta beijando para sempre o ar. Na saída
nos beijamos de acordo, dos dois lados. Aguardo crise aguda de remorsos
(Arpejos).
Samba-Canção
Tantos poemas
que perdi
Tantos que
ouvi, de graça,
pelo telefone
– taí,
eu fiz tudo
pra você gostar,
fui mulher
vulgar,
meia-bruxa,
meia-fera,
risinho
modernista
arranhado na
garganta,
malandra,
bicha,
bem viada,
vândala,
talvez
maquiavélica,
e um dia
emburrei-me,
vali-me de
mesuras
(era uma estratégia),
Psicografia
Também eu
saio à revelia
e procuro uma
síntese nas demoras
cato
obsessões com fria têmpera e digo
do coração:
não sou e digo
a palavra:
não digo (não posso ainda acreditar
na vida) e
demito o verso como quem acena
e vivo como
quem despede a raiva de ter visto
Sem
título
olho muito
tempo o corpo de um poema
até perder de
vista o que não seja corpo
e sentir
separado dentre
os dentes um
filete de sangue
nas gengivas
*Neilton
Lima é professor universitário, poeta, ensaísta,
crítico literário e colabora para o site Domingo com Poesia.
Desde já, grato mais uma vez ao amigo-irmão poeta, Natanael, por nos permitir colaborar à riqueza que é o site. Parabéns! A Poesia, os poetas e poetisas, destacando aqui Ana Cristina, merecem nosso louvor e amor à Arte!
ResponderExcluirExcelente a sua postagem. "Bardos do Capibaribe". Parabéns!
Excluir