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CINCO POEMAS DE PAULO GUSTAVO*

 Postado por DCP em 22/08/2021








Paulo Gustavo

Foto: reprodução I Arte: DCP







A PERFEIÇÃO NÃO DURA

 

                 para Ângelo Monteiro

 

 

A perfeição não dura

Mas entre dois instantes

Lembra o que somos.

 

Por isso vemos a flor abraçada ao dia que finda,

a onda esculpida no mar,

como um troféu sem pouso.

 

A perfeição não dura.

O que dura é a nossa falta

nesse calendário mudo

que sozinho se move

nas mais altas nuvens.

 

A perfeição não dura.

Nem dura o amor

Nem dura a cálida ternura.

Só a sombra de Deus

É o nosso transtornado abrigo.

 

Recife, 15 de agosto de 2017

 

 

 

 

ODE AO RECIFE

 

         Para Francisco Carneiro da Cunha Filho

 

 

Nessa planície em que o mar redige

Sua nota verde como moldura,

Nessa planície em que as águas

São um lodoso mármore, Quem previra nascer,

Entre seus rios,

Tão dura cidade?

 

Falo do Recife, a luminosa,

A que costurou as ilhas

Nas escuras asas do mangue.

Falo do imemorial silêncio

Ferido pelos barcos,

Das pedras que limam

Os excessos do mar.

 

Falo das várzeas verdes

Que esperam longos poentes.

E escuto o murmúrio flamengo

No tempo submerso.

Na cidade-aquário,

Toco a vidraça do tempo,

O suor da África,

A proa empinada dos engenhos,

O fogo que se demora

Nos liberais que namoram a morte.

 

Quem previra sobre a planície

A improvável cidade?

Essas ruas que nadam

Em bairros que se afogam

 

E esse anfiteatro rubro

De onde os pobres

Assistem ao azul e à recusa

E sentem, como ninguém,

O peso milenar da chuva

 

Recife, 04 de setembro de 2019

 

 

 

 

E COMO O MUNDO SE SUSTENTA?

 

E como o mundo se sustenta?

Perguntaria o próprio céu,

Não fosse eu a longa nuvem

Que se assombra com a luz!

 

Sobre que pilares invisíveis

Se assenta o espetáculo, o turbilhão das vozes,

A sucessão das faces que despertam sobre o mar?

Que outro nome tem o Sol

Para que a montanha o retenha no vale?

 

Como se sustenta o mundo?

Pergunta a argila dos meus ossos que definham.

Perguntam os olhos que levantam os muros da insônia,

Pergunta a própria insônia dos astros

E a cruz de Cristo emudecida nos alturas.

 

 

 

 

ÁGUA-FORTE

 

Neste cais onde adormecem

As velhas sombras dos barcos,

Passam teus sonhos mais leves

E os teus desejos mais claros.

 

Junto ao rio, és a água

Que não múrmura nem dorme.

O que pensas que naufraga

Faz tua insônia mais forte.

 

 

 

 

A CHUVA

 

É noite, e a chuva cala o mundo.

A chuva que volta do mar,

Que volta dos beijos mortos,

Que traz as lágrimas

Dos que secaram entre saudades.

 

Na noite imensa

Só a chuva fala

E só Deus a escuta.

Somente a chuva é oração.

 

 

 

*Paulo Gustavo de Oliveira (Recife,1957) estudou no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco, é Bacharel em Letras (Português) e Mestre em Teoria da Literatura pela mesma universidade. Ex-servidor concursado da Fundação Joaquim Nabuco, foi editor da Editora Massangana e editor-assistente da Revista Ciência & Trópico. É sócio-fundador da Consultexto – consultoria editorial criada em 1997 no Recife. Já publicou sete livros de poesia e diversos ensaios sobre autores de sua predileção, a exemplo de Guimarães Rosa, Proust e Gilberto Freire. É organizador da antologia Mauro MotaCem crônicas escolhidas, também publicada pela Cepe Editora. Desde 2015, é membro da Academia Pernambucana de Letras. 



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