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CINCO POEMAS DE JORGE DE LIMA

Postado por DCP em 02/05/2021

 

[Curadoria de Natanael Lima Jr.]








Jorge de Lima I Foto: Reprodução








XI*

 

Quem te fez assim soturno

quieto reino mineral,

escondido chão noturno?


Que bico rói o teu mal?

Quem antes dos sete dias

te argamassou em seu gral?

 

Quem te apontou pra onde irias?

Quem te confiou morte e guerra?

Quem te deu ouro e agonias?

 

Quem em teu seio de terra

infundiu a destruição?

Quem com lavas em ti berra?

 

Quem te fez do céu o chão

Quieto reino mineral?

Quem te pôs tão taciturno?

 

Que gênio fez por seu turno

antes do mundo nascer:

a criação do metal,

a danação do poder?

 

*Invenção de Orfeu, Canto I



POEMA I*

 

Um monstro flui nesse poema

feito de úmido sal-gema.

 

A abóbada estreita mana

a loucura cotidiana.

 

Pra me salvar da loucura

como sal-gema. Eis a cura.

 

O ar imenso amadurece,

a água nasce, a pedra cresce.

 

Mas desde quando esse rio

corre no leito vazio?

 

Vede que arrasta cabeças,

frontes sumidas, espessas.

 

E são minhas as medusas,

cabeças de estranhas musas.

 

Mas nem tristeza e alegria

cindem a noite, do dia.

 

Se vós não tendes sal-gema,

não entreis nesse poema.

 

*Invenção de Orfeu, Canto IV



POEMA DA IRMÃ*

 

Ó irmã

agora que as noites vêm cedo

e paira por tudo

uma tristeza enorme

e o silêncio é tão longo

que os cães enlouquecem nas ruas,

irmã, vem me relembrar

que crescemos juntos

quando os dias eram compridos e diferentes.

Irmã, se tu sabes signos

para mudar o tempo, vem.

Vem que eu quero fugir

para outras paragens

onde as gaivotas sejam menos inúteis

e haja um coração em cada porto;

e os pássaros do mar

tão lavados e tão alvos

e tão lentos e tão sabedores de viagens

venham esvoaçar

sobre o meu cachimbo

em que os cometas do céu se apagaram.

Irmã, nos meus ritmos

há colegas que gritam:

Daubler, Ehrenstein, Stramm, suicidas,

vagabundos, crianças,

operários, leprosos e prostitutas que

se lembram ainda de suas orações familiares.

 

Há não sei onde outros ares e outras serras,

outros limites, adeus irmã.

Ó que noite longa,

Ó que noite tão longa!

Que é que chora lá fora?

— A humanidade ou qualquer fonte?


*Poemas Escolhidos (1932)



POEMA DO NADADOR*

 

A agua é falsa, a agua é boa.

Nada, nadador!

A água é mansa, a água é doida,

aqui é fria, ali é morna,

a agua é fêmea.

Nada, nadador!

A água sobe, a água desce,

a água é mansa, a água é doida.

Nada, nadador!

A água te lambe, a água te abraça,

a água te leva, a água te mata.

Nada, nadador!

Senão, que restará de ti, nadador?

Nada, nadador.

 

*Poemas Escolhidos (1925 – 1930)



VEREIS QUE O POEMA CRESCE INDEPENDENTE*

 

 

Vereis que o poema cresce independente

e tirânico. Ó irmãos, banhistas, brisas,

algas e peixes lívidos sem dentes,

veleiros mortos, coisas imprecisas,

 

coisas neutras de aspecto suficiente

a evocar afogados, Lúcias, Isas,

Celidônias... Parai sombras e gentes!

Que este poema é poema sem balizas.

 

Mas que venham de vós perplexidades

entre as noites e os dias, entre as vagas

e as pedras, entre o sonho e a verdade, entre...

 

Qualquer poema é talvez essas metades:

essas indecisões das coisas vagas

que isso tudo lhe nutre sangue e ventre.

 

*Livro de Sonetos, (1949)





















CINCO POEMAS DE JORGE DE LIMA CINCO POEMAS DE JORGE DE LIMA Reviewed by Natanael Lima Jr on 00:13 Rating: 5

2 comentários

  1. Um digno representante de Nossa Literatura Nordestina-Brasileira! Minha reverência e prazer em ler seus textos poéticos!

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  2. ahhhh que delícia... que cuidado na construção do poema, tão claro, tão tocante, tão ‘somente o necessário’ é tão além do espírito do seu tempo... natanael, parabéns pela excelente seleção. bela lembrança. dia desses vou gravar um poema dele. bjs

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