TERCEIRO LIVRO DOS SONETOS - OS DERRADEIROS..., DE JOSÉ LUIZ MÉLO OU DE OSSOS E DE PALAVRAS – UM MODO POÉTICO DE FALAR DA VIDA – PARTE 1
Por Virgínia Leal*
Postado por DCP em
14/03/2021
1ª PARTE
“Língua não tem
osso.” (um bordão de José Simão, articulista da Folha de São Paulo)
O que poderia
amalgamar um ortopedista, um homem e um sonetista?
Com essa inusitada
indagação, começo a entrar neste instigante livro de José Luiz Mélo. Parte de
uma trilogia, o poeta chega ao terceiro livro de sonetos, desde que voltou
sistematicamente a se enroscar com a literatura, a se misturar às palavras,
tirando-lhe os tecidos orgânicos para recompô-las em novos arranjos cheios de
densos tegumentos.
Nos anos de estreia,
lá nos idos 1960, o poeta e crítico literário César Leal o havia considerado um
exímio sonetista, em meio aos jovens poetas do chamado Grupo de Jaboatão,
sementinha da Geração 65 – fato recentemente trazido à cena pelo poeta, músico
e professor de literatura, Marcos
D’Morais, ou Marcos Alexander Faber, em seu livro Poesia da Geração 65, publicado pela CEPE.
Recentemente, mexendo nos papeis e livros do espólio literário de César,
encontrei algumas anotações de poemas, textos críticos, artigos que ficaram
pelo meio – tudo ainda à mão como ele gostava de escrever ─
ainda que tenha se rendido à
escrita digital em seus últimos
anos de ofício.
Em um desses manuscritos, ratificava a visão crítica que tivera da poesia de
José Luiz Mélo, sinalizando aos leitores o que de novo havia no modo pelo qual
este poeta (doravante Zé Luiz, como costumo chamá-lo) atualiza uma difícil
forma fixa da tradição que é o soneto. Um novo que deve tributo às operações na
linguagem que fazem provocar, de modo absolutamente inesperado, efeitos de sentido
pleno de abisSALidades.
A fim de que o leitor
compreenda a epígrafe deste comentário e a indagação inicial, chamo a atenção
para o soneto Luzia. Antes, porém, desdigo o bordão de José Simão: para mim,
língua tem osso, sim, e um dos melhores exercícios a que me entrego nas horas
de lazer, notadamente com a minha neta Alice, é o desossar das palavras. Por
exemplo, certa vez ao escrever um poema, chegou-me a palavra gris e eis o que
aconteceu ao ouvir de Alice a pergunta: “─
O que é “gris”, vovó?” Sim, inicialmente eu a usara no lugar que
depois foi ocupado pela palavra “cinza”... Grisalho, que apareceu em seguida,
foi desmembrada em um golpe: {gris} + {alho} e a partir dela várias outras
palavras foram chegando: grisado, griseta, bugalho, atalho...menos aquele
“palavrão” ─
claro! Eram palavras perdendo seus ossos, esvaindo-se em morfemas, sílabas, fonemas para
se transformarem em novas palavras... Às vezes o desmembrar ou desossar não
estava na face matérica das palavras, mas nos seus efeitos de sentido... Escritas
e leituras que surgiam em meio a esses processos criativos vividos pelos
poetas, alguns com maior grau de domínio
sobre eles ─ caso de Zé Luiz; outros se deixando tomar completamente pelo
onírico, meu caso. Mas,
um pouco devagar, ou talvez depressa em demasia quando se pensa sobre tais
temas, aparece Clarice Lispector com suas
incursões sobre o scriptural:
“Então escrever é o
modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra.”
Pois é exatamente
desse belo jogo entre dissecação, ressecção e desossamento que o poeta Zé Luiz
circula pelo mundo da linguagem. E é um
prazer para ele ir ao dicionário; tirar da morte as palavras às quais dá vida em
seus sonetos, fazendo-o assumir as funções de um cinzel, um especial bisturi
para lexemas e semantemas, e às vezes com tanto humor e graça que causa, a
alguns leitores mais arraigados à tradição vestida pelo soneto, a experiência
do espanto.
Republicado no meu Blog
ResponderExcluirÓtimo meu caro Robson Sampaio. Forte abs
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