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OITO POETISAS DA LITERATURA UNIVERSAL

 

Apresentação & seleção de Maria de Lourdes Hortas*

Postado por DCP em 07/03/2021
















Palavra de Mulher, antologia de poesia feminina brasileira, foi um trabalho que tive a satisfação de realizar, publicado em 1979 (Rio, Ed. Fontana, 219 páginas, 2.000 exemplares). Reunindo 45 autoras, do melhor naipe, à época todas vivas e atuantes, a edição esgotou-se em menos de cinco meses e mereceu resenhas nos melhores suplementos literários do país, além de várias referências no exterior. Quarenta e dois anos depois da sua publicação, a coletânea ainda é significativa, referência não só literária, mas também histórica e social.

 

No entanto, como disse à época e repito sempre, jamais acreditei em arte  especificamente feminina. Penso que os diferenciais são os do enfoque pessoal,  ótica do sujeito ao apreender uma realidade. Assim, a mulher, na literatura,  poderá expor mais profundamente, e com maior nitidez, certas áreas que a sua vivência condiciona, principalmente quando vive numa sociedade indiscutivelmente machista, como é o caso da brasileira. Todavia, tal resgate só ocorrerá se à experiência se unir o talento. Do contrário, a tentativa não ultrapassará os limites superficiais do depoimento.

 

Acima de tudo, penso que as mulheres, enquanto poetas (ou poetisas), devem lutar para que sua obra não fique como mero afluente do caudaloso rio que atravessa a sua contemporaneidade. Importante é harmonizá-la às águas gerais,  para que as outras águas, mais fundas -as do tempo - deixem vir  à tona  as vozes que realmente ecoarem com força e beleza -vozes como estas, de 8 poetisas universais,  que o DCP trouxe hoje, homenageando o dia internacional da mulher. Certamente uma bela homenagem a todas nós.




*Maria de Lourdes Hortas é poeta luso-brasileiro, ficcionista e ensaísta








POEMAS DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, EMILY DICKINSON, GABRIELA MISTRAL, FLORBELA ESPANCA, ANNA AKHMÁTOVA, SAFO, CECÍLIA MEIRELES E CELINA DE HOLANDA






Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, Portugal /1919-2004)

 

 

Retrato de uma princesa desconhecida

 

Para que ela tivesse um pescoço tão fino

Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule

Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos

Para que a sua espinha fosse tão direita

E ela usasse a cabeça tão erguida

Com uma tão simples claridade sobre a testa

Foram necessárias sucessivas gerações de escravos

De corpo dobrado e grossas mãos pacientes

Servindo sucessivas gerações de príncipes

Ainda um pouco toscos e grosseiros

Ávidos cruéis e fraudulentos

 

Foi um imenso desperdiçar de gente

Para que ela fosse aquela perfeição

Solitária exilada sem destino

 

 

Emily Dickinson (Massachutts, EUA 1830; N.York 1886)

 

 

1.

 

Borboletas assim se veem

Nos Pampas do Brasil —

Ao meio-dia — só — e acaba

A Amável Permissão —

Sabores assim — vêm e voltam —

Depois de dar-se — a Ti —

Como Estrelas — que viste à Noite —

Estranhas — de Manhã.

 

(tradução José Lira)

 

2.

 

Eu sou Ninguém. E você?

É Ninguém também?

Formamos par, hein?

Segredo — Ou mandam-nos p’ro degredo.

Que enfadonho ser alguém!

Tão público — como o sapo

Coaxando seu nome, dia vai, dia vem

Para um boquiaberto charco.

 

(tradução de Aíla de Oliveira Gomes)

 

 

Gabriela Mistral (Chile, 1889; EUA, Nova York/1957)

 

 

Besos

 

Hay besos que pronuncian por sí solos

la sentencia de amor condenatoria,

hay besos que se dan con la mirada

hay besos que se dan con la memoria.

 

Hay besos silenciosos, besos nobles

hay besos enigmáticos, sinceros

hay besos que se dan sólo las almas

hay besos por prohibidos, verdaderos.

 

Hay besos que calcinan y que hieren,

hay besos que arrebatan los sentidos,

hay besos misteriosos que han dejado

mil sueños errantes y perdidos.

 

Hay besos problemáticos que encierran

una clave que nadie ha descifrado,

hay besos que engendran la tragedia

cuantas rosas en broche han deshojado.

 

Hay besos perfumados, besos tibios

que palpitan en íntimos anhelos,

hay besos que en los labios dejan huellas

como un campo de sol entre dos hielos.

 

Hay besos que parecen azucenas

por sublimes, ingenuos y por puros,

hay besos traicioneros y cobardes,

hay besos maldecidos y perjuros.

 

Judas besa a Jesús y deja impresa

en su rostro de Dios, la felonía,

mientras la Magdalena con sus besos

fortifica piadosa su agonía.

 

Desde entonces en los besos palpita

el amor, la traición y los dolores,

en las bodas humanas se parecen

a la brisa que juega con las flores.

 

Hay besos que producen desvaríos

de amorosa pasión ardiente y loca,

tú los conoces bien son besos míos

inventados por mí, para tu boca.

 

Besos de llama que en rastro impreso

llevan los surcos de un amor vedado,

besos de tempestad, salvajes besos

que solo nuestros labios han probado.

 

¿Te acuerdas del primero…? Indefinible;

cubrió tu faz de cárdenos sonrojos

y en los espasmos de emoción terrible,

llenáronse de lágrimas tus ojos.

 

¿Te acuerdas que una tarde en loco exceso

te vi celoso imaginando agravios,

te suspendí en mis brazos… vibró un beso,

y qué viste después…? Sangre en mis labios.

 

Yo te enseñe a besar: los besos fríos

son de impasible corazón de roca,

yo te enseñé a besar con besos míos

inventados por mí, para tu boca.

 

 

Florbela Espanca (Vila Viçosa/Alentejo – Portugal; 1894 — Matosinhos/Portugal, 1930)

 

 

Eu

 

Eu sou a que no mundo anda perdida,

Eu sou a que na vida não tem norte,

Sou a irmã do sonho, e desta sorte

Sou a crucificada... a dolorida...

 

Sombra de névoa ténue e esvaecida,

E que o destino amargo, triste e forte,

Impele brutalmente para a morte!

Alma de luto sempre incompreendida! ...

 

Sou aquela que passa a ninguém vê...

Sou a que chamam triste sem o ser...

Sou a que chora sem saber porquê...

 

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

Alguém que veio ao mundo pra me ver

E que nunca na vida me encontrou!

 

 

Anna Akhmátova (Ucrânia, 1889; arredores de Moscou, 1966)

 

 

Torci os dedos sob a manta escura...

 

Torci os dedos sob a manta escura...

"Por que tão pálida?" ele indaga.

– Porque eu o fiz beber tanta amargura

Que o deixei bêbado de mágoa

 

Como esquecer? Ele saiu sem reação,

A boca retorcida, em agonia...

Desci correndo, sem tocar no corrimão,

E o encontrei no portão, quando saía.

 

"É tudo brincadeira, por favor,

Não parta, eu morro se você se for.

E ele, com um sorriso frio, isento,

Me disse apenas: "Não fique ao relento"

 

“Poesia da recusa". [organização e tradução Augusto de Campos]. Coleção signos 42. São Paulo: Editora Perspectiva, 2006.

 

 

Safo (em grego antigo: Σαπφώ, transl. Safo. Célebre poetisa grega da ilha de Lesbos)

 

 

(Fragmentos)

 

                     ... Antigamente, era assim que dançavam

a essa hora, as mulheres de Creta;

ao som da música, ao redor do altar sagrado

dançavam, calçando sob os pés delicados

as flores tenras da relva.

 

                     ... A Lua já se pôs,

e as Plêiades; é meia -

noite; a hora passa e eu

deitada estou sozinha

                      ...Vieste, e fizeste bem. Eu esperava,

queimando de amor; tu me trazes a paz.

 

                     ... Mãe querida, não posso mais te tecer a trama

-queimo de amor por um lindo rapaz:

a culpa é de Afrodite, a delicada - ...

 

 

Cecília Meireles (Rio de Janeiro, 1901-1964)

 

 

Despedida

 

Por mim, e por vós, e por mais aquilo

que está onde as outras coisas nunca estão,

deixo o mar bravo e o céu tranquilo:

quero solidão.

 

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.

E como o conheces? - me perguntarão.

- Por não ter palavras, por não ter imagens.

Nenhum inimigo e nenhum irmão.

 

Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.

Viajo sozinha com o meu coração.

Não ando perdida, mas desencontrada.

Levo o meu rumo na minha mão.

 

A memória voou da minha fronte.

Voou meu amor, minha imaginação...

Talvez eu morra antes do horizonte.

Memória, amor e o resto onde estarão?

 

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.

(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!

Estandarte triste de uma estranha guerra...)

 

Quero solidão.

 

 

Celina de Holanda (Cabo de Santo Agostinho, PE., 1915; Recife, 1999)

 

 

O Poeta vai à luta

 

Quando a palavra é muito pouco

Para o amigo

E minhas mãos estão vazias,

Sua urgência dói

Como nervo exposto ao frio,

A dor, esticando o fio,

No espanto de vê-lo erguer-se

Silencioso e partir

Com sua lança tão frágil

Vergando na ventania. 










 



OITO POETISAS DA LITERATURA UNIVERSAL OITO POETISAS DA LITERATURA UNIVERSAL Reviewed by Natanael Lima Jr on 00:54 Rating: 5

2 comentários

  1. PARABÉNS A MARIA DE LOUDES HORTAS PELA BELA ESCOLHA DAS 8 POETISAS! ÓTIMOS POEMAS!

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  2. Belo texto de apresentação, Maria de Lourdes! E linda seleção.

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