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“10 POETAS ESSENCIAIS DA LITERATURA PERNAMBUCANA” – Parte II

 

Publicado por DCP em 31/01/2021














Nesta postagem divulgamos mais um grupo de poetas citados pelos entrevistados na ‘enquete’ realizada e organizada pelo site DCP, “10 POETAS ESSENCIAIS DA LITERATURA PERNAMBUCANA”. Participam neste grupo os poetas: Celina de Holanda, Lucila Nogueira, César Leal, Joaquim Cardozo, Mauro Mota e Têreza Tenório. Na próxima postagem o último grupo formado pelos poetas: Maria de Lourdes Hortas, Marcus Accioly, Cida Pedrosa, Janice Japiassu e Miró. Até lá e uma boa e prazerosa leitura. 

 

Natanael Lima Jr.

Editor







POEMAS DE CELINA DE HOLANDA, LUCILA NOGUEIRA, CÉSAR LEAL, JOAQUIM CARDOZO, MAURO MOTA E TÊREZA TENÓRIO






Os amigos

Celina de Holanda (1915 – 1999)

 

Os amigos chegam, ponho a mesa.

Branca, estendida a esperança.

                      Às sombras

rogo o ensejo do contraste

equilíbrio de opostos

necessário

ao claro, para a imagem.

                          Ó, a tristeza

de sermos o que somos e não

como queriam que fôssemos os que

                     amamos.

Os amigos chegam,

venham de onde vierem, ponho a mesa.

 

 

Véu de pirilampo

Lucila Nogueira (1950 – 2016)

 

E o vaidoso fabricante de versos perguntou, em tom superior:

— E esses óculos escuros à noite, para que são?

E eu lhe respondi em silêncio:

— Porque a sua maldade é eterna.

E porque os poetas veem melhor na escuridão.

 

E eu coloquei meus óculos escuros

contra a mediocridade dos neons

contra a agressão das almas monstruosas

e a crueldade oculta nas manhãs

— na penumbra amnésico anteparo

o cotidiano fogo dos dragões.

 

E eu ajustei meus óculos escuros

mas vi gente comendo carne humana

crianças assaltando à mão armada

cheirando cola ou sendo trucidadas

enquanto os vaidosos declamavam

a sua dor tão dicionarizada.

 

E eu saio à rua de óculos escuros

porque me cega a cena da injustiça

porque a lei só legítima a força

descobriu a plateia o fundo falso

do palco onde encerrou-se o último ato

e se esqueceram de fechar o pano.

 

E eu uso sempre os óculos escuros

porque o mundo é uma faca nas pupilas

trapézio inteiro de arame farpado

sobre a rede de areia movediça

a pele triturada e sem aplausos

prossigo encantadora de serpentes

E eu saio à noite de óculos escuros

porque meu corpo acende nessa hora

meus óculos são véu de pirilampo

me resguardam de dentro para fora

escondem o meu sol subcutâneo

— são a nave em que chego até os homens.

 

 

Carta aos rinocerontes

César Leal (1924 – 2013)

 

Não sei se estou mais presente na Terra

do que estariam uma rosa e uma dália.

Nem um milésimo das coisas que vejo diariamente

está contido em meus poemas...

 

Sei que o leitor poderá dizer isso agora:

"— Você não é um bom poeta! Castro Alves

é mais participante, mais exato,

transporta o mundo — ou pelo menos sua metade

no Navio Negreiro.

 

Mas você — que leio agora —

não me acende nenhuma luz,

agarra-se demasiadamente aos anjos,

a uma forma estéril

que não fala ao tempo,

aos pássaros,

e menos ainda ao meu coração".

 

Ouço-te e repito

que sou apenas pequena parte das coisas

que estão no mundo

com certeza não sou a menor parte

e, por isso, tens que me aceitar

se és um leitor e não apenas um crítico.

 

Se minha poesia te cansa,

peço-te: come as saladas de Souzândrade; bebe

lentamente as gotas de orvalho que fluem dos Caligramas

de Apollinaire...

 

Elas satisfarão tua fome e tua sede,

ou terás uma sede e uma fome tão estranhas

que suportarias ainda Maiakovski,

 

Evtuchenko, Voznessenki, Pound

e toda a galeria dos participantes

que ficam à tua direita e à tua esquerda?

 

Quanto a mim, pouco te posso oferecer:

não escrevo para los muchos

arranco de mi corazón el capitán del inferno,

establezco cláusulas indefinidamente tristes

 

Esgotados os estábulos aonde os teus donos

guardaram para ti alimentos tão nobres,

ainda restariam os membros do Clube dos Ultraistas,

Tzara e todos os que, à semelhança dos empregados domésticos

sopram trombetas das 6 às 6,

repetindo eternamente a contínua canção:

"somos os que andam na vanguarda do Tempo".

 

Quanto a mim continuarei sozinho,

solitário como um estranho rio

de um território ainda não visitado pelos geógrafos,

abrindo sem descanso a minha estrada

certo de que alguém um dia

— anjo ou demônio —

caminhará por ela até a porta do meu nome.

 

 

Chuva de caju

Joaquim Cardozo (1897 – 1978)

 

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?

Como te chamas, dize, chuva simples e leve?

Teresa? Maria?

Entra, invade a casa, molha o chão,

Molha a mesa e os livros.

Sei de onde vens, sei por onde andaste.

Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos

Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,

Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros

e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:

Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.

Invade a casa, molha o chão,

Muito me agrada a tua companhia,

Porque eu te quero muito bem, doce chuva,

Quer te chames Teresa ou Maria.

 

 

Elegia nº 1

Mauro Mota (1911 – 1984)

 

Vejo-te morta. As brancas mãos pendentes.

­Delas agora, sem querer, libertas

a alma dos gestos e, dos lábios quentes

ainda, as frases pensadas só em certas

 

tardes perdidas. Sob as entreabertas

pálpebras, sinto, em teu olhar presentes,

mundos de imagens que, às regiões desertas

da morte, levarás, que a morte sentes

 

fria diante de todos os apelos.

Vejo-te morta. Viva, a cabeleira,

teus cabelos voando! ah! teus cabelos!

 

Gesto de desespero e despedida,

para ficares de qualquer maneira

pelos fios castanhos presa à vida.

 

 

Trípodes

Têreza Tenório (1949 – 2020)

 

Queimados os corações

no sacrifício dos remos

sobre a pedra dos oráculos

reedificamos o templo

 

Marujos noutro avatar

fomos mortos ao relento

entre carvalhos e trípodes

no temor ao deus sangrento

 

No corolário da lenda

filha dos quatro elementos

fertilizamos a terra

 

na fenda ao sul do oriente

ao fim do embate mortal

a seiva do sol no zênite 



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7 comentários

  1. Nunca gostei dessas listas e a falta de Ângelo Monteiro é ainda mais vergonhoso.

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    1. Meu caro Ronaldo Castro de Lima Jr., tenho tido que toda e qualquer 'lista' será sempre incompleta. Porém, em respeito a opinião dos ilustres entrevistados, passamos a divulgar a lista atual. Grato por seu ponderado comentário e visita.

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  2. Excelentes poetas os supracitados,mas,uma lista de cem,ainda cometeria injustiça com os poetas do celeiro poético que é o estado de Pernambuco.

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    1. CONCORDO PLENAMENTE, POETA VALMIR JORDÃO!

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    2. Caro Valmir, já respondi a vc essa questão. A atual lista foi fruto de uma enquete, livre, aberta, plural e idiossincrática. Concordo com vc. Veja por exemplo o livro que foi editado pela CARPE DIEM, intitulado "Pernambuco, Terra da POESIA (Antologia), quantos poetas ficaram fora dessa referida edição? Vc mesmo, que para mim é um grande poeta, ficou fora. Não é isso?

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  3. muito bom o nível da POESIA! ATÉ PORQUE OS POETAS SÃO MUITO BONS!
    ALGUÉM JÁ DISSE "PERNAMBUCO:TERRA DA POESIA!"

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    1. Sabíamos que listas são incompletas, complexas e idiossincráticas.

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