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BREVE APONTAMENTO SOBRE MANUEL ALEGRE, POETA PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO


 

Por Maria de Lourdes Hortas*

Publicado por DCP em 27/09/20 às 00:01





Manuel Alegre / Reprodução Google






Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda, Portugal, numa família de tradição política liberal. Fez seus primeiros estudos em sua terra natal  e os estudos secundários em diversos estabelecimentos de ensino no Porto. E, concluindo os estudos secundários no Liceu Central Alexandre Herculano, ali fundou, com José Augusto Seabra, o jornal Prelúdio. A sua infância e juventude encontram-se retratadas no romance Alma (1995).

 

Em 1956 Manuel Alegre é admitido na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. E, já em 1957,  torna-se militante do Partido Comunista Português, que viria a abandonar volvidos 11 anos, em 1968.

 

Foi membro da Comissão da Academia quando esta apoiou a candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República, em 1958.


Manuel Alegre sempre participou de  atividades culturais, como, por exemplo,  na fundação do Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra e foi ator do Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, deslocando-se para atuar em Bruxelas (1958), Cabo Verde (1959) e Bristol (1960).

 

Em 1960 publica poemas nas revistas Briosa (que dirigiu), Vértice e Via Latina, participando ainda na coletânea A Poesia Útil e Poemas Livres, juntamente com Rui Namorado, Fernando Assis Pacheco e José Carlos Vasconcelos.

 

Eleito deputado à Assembleia Constituinte, em 1975, foi o autor da proposta apresentada pelo PS para o texto do preâmbulo da Constituição Portuguesa de 1976, que foi adotado.

 

Deputado à Assembleia da República a partir de 1976, integrou também o primeiro  Governo Constitucional (de Mário Soares), primeiro como Secretário de Estado da Comunicação Social, depois como Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro para os Assuntos Políticos.

 

Além da atividade política, Manuel Alegre tem um proeminente labor literário, quer como poeta, quer como ficcionista. Entre os seus inúmeros poemas musicados contam-se a Trova do vento que passa, cantada  Amália Rodrigues, entre muitos outros. Reconhecido além fronteiras, é o único autor português incluído na antologia Cent poèmes sur l'exil, editada pela Liga dos Direitos do Homem, em França (1993). Em Abril de 2010, a Universidade de Pádua, em Itália, inaugurou a Cátedra Manuel Alegre, destinada ao estudo da Língua, Literatura e Cultura Portuguesas. Pelo conjunto da sua obra recebeu, entre outros, o Prémio Pessoa (1999) e o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (1998). Foi sócio correspondente da Classe de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, eleito em 2005, e foi eleito membro efetivo da ACL em 2016. Ao longo da vida, recebeu muitos prêmios e condecorações.

 

Publicou dezenas de livros de poesia, entre os quais Praça da Canção; O Canto e as Armas; Com que PenaVinte Poesias para Camões; Senhora das Tempestades; Livro do Português ErranteAuto de António. De Ficção, publicou, entre outros: Jornada de África; Alma; - Cão Como NósRafael. Também escreveu 3 livros para crianças, destacando-se: As Naus de Verde Pinho: Viagem de Bartolomeu Dias contada à minha filha Joana. Prêmio de Literatura Infantil António Botto.



CINCO POEMAS DE MANUEL ALEGRE ESCOLHIDOS POR MARIA DE LOURDES HORTAS



Poeta Alegre / Foto: Reprodução Google






Trova do vento que passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

 

Lisboa perto e longe

Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa — branca e rota
a blusa de seu povo — essa gaivota.

Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.

Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estão voltadas
contra as mãos desarmadas — povo armado
de vento revoltado violas astros
— meu povo que ninguém verá de rastos.

Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mãos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros — mar aberto
— com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.

Lisboa é uma palavra dolorosa
Lisboa são seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.

Lisboa tem um cravo em cada mão
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguém verá de joelhos.

Lisboa a desditosa a violada
a exilada dentro de Lisboa.
E há um braço que voa há uma espada.
E há uma madrugada azul e triste
Lisboa que não morre e que resiste.

 

Canção tão simples

Quem poderá domar os cavalos do vento
quem poderá domar este tropel
do pensamento
à flor da pele?

Quem poderá calar a voz do sino triste
que diz por dentro do que não se diz
a fúria em riste
do meu país?

Quem poderá proibir estas letras de chuva
que gota a gota escrevem nas vidraças
pátria viúva
a dor que passa?

Quem poderá prender os dedos farpas
que dentro da canção fazem das brisas
as armas harpas
que são precisas?

 

Ser ou não ser

Qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.
Se os novos partem e ficam só os velhos
e se do sangue as mãos trazem a marca
se os fantasmas regressam e há homens de joelhos
qualquer coisa está podre no Reino da Dinamarca.

Apodreceu o sol dentro de nós
apodreceu o vento em nossos braços.
Porque há sombras na sombra dos teus passos
há silêncios de morte em cada voz.

Ofélia-Pátria jaz branca de amor.
Entre salgueiros passa flutuando.
E anda Hamlet em nós por ela perguntando
entre ser e não ser firmeza indecisão.

Até quando? Até quando?

Já de esperar se desespera. E o tempo foge
e mais do que a esperança leva o puro ardor.
Porque um só tempo é o nosso. E o tempo é hoje.
Ah se não ser é submissão ser é revolta.
Se a Dinamarca é para nós uma prisão
e Elsenor se tornou a capital da dor
ser é roubar à dor as próprias armas
e com elas vencer estes fantasmas
que andam à solta em Elsenor.

 

Uma Balada

Por uma noite por um dia
como António fomos reis
por um corpo de mulher
pelo instante que fugia
pelo amor que se escondia
em um lugar que não havia
pelo dia que se esperava
e nunca mais chegaria
pelo reino que se amava
e era só uma palavra

por aquela que se tinha
e era de noite a rainha
pela rosa que se abria
e logo ao nascer morria
pelo mar que nos levava
e o exílio que doía
pela ideia que cheirava
a pão fresco e maresia
por António que em si mesmo
se perdia e se encontrava
por um povo que o esquecia
por um povo que o lembrava
por António também nós
por António fomos reis
e ninguém nos coroava.





*Maria de Lourdes é poetisa, ficcionista e ensaísta 








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