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ENTREVISTA COM O ESCRITOR JOSÉ RODRIGUES DE PAIVA



“Alguns autores brasileiros são particularmente apreciados em Portugal (sobretudo no ambiente acadêmico), entre eles, particularmente os “clássicos modernos”: Bandeira, Drummond, Cabral... o ficcionista recentemente falecido, Rubem Fonseca. No sentido inverso, dá-se o mesmo: sobretudo nos cursos de letras, no Brasil há alguns leitores de Saramago, Lobo Antunes, Almeida Faria, Lídia Jorge, Teolinda Gersão, Mário Cláudio”...





José Rodrigues é presidente do Instituto Jordão Emerenciano,
onde coordena a revista Estudos Portugueses.





O DCP tem a satisfação de trazer para seus seguidores, com exclusividade, a entrevista com o escritor e professor José Rodrigues de Paiva, concedida a nossa colunista e poetisa Maria de Lourdes Hortas.

José Rodrigues de Paiva é escritor, ensaísta, poeta. Nasceu em Coimbra, Portugal, em 1945. Aos cinco anos veio com a família para o Recife, onde vive até hoje. Bacharel em Direito, pela Universidade Católica, fez mestrado e doutorado em Literatura Portuguesa e, nessa disciplina, foi professor da UFPE. Fundou a revista Encontro do Gabinete Português de Leitura (GPL).  É presidente do Instituto Jordão Emerenciano, onde coordena a revista Estudos Portugueses.




Escritor José Rodrigues de Paiva / Foto: Reprodução




MLH - José Rodrigues, no ano passado você teve todos os seus livros de poesia reunidos na coletânea “O breve fulgor do tempo”, Cepe, 2019. O que isso significou para você?

JRP – Significou e continua significando muito, porque a edição em que a Cepe reuniu toda a minha poesia tem um padrão gráfico-editorial que é dos mais elevados na produção de livros no Brasil. Além disso, como os demais títulos da coleção de poesia da Cepe, O breve fulgor do tempo conta com eficiente estrutura de divulgação e distribuição (em lojas físicas e virtuais). Considero essa edição da minha poesia o coroamento de um longo trabalho, verificando-se uma coincidência muito significativa para mim: em 1969 publiquei o meu primeiro livro (não de poesia, mas de contos); saindo em 2019 a edição da poesia reunida, contam-se exatos 50 anos entre um e outro. Não havia, para mim, melhor maneira de comemorar esse cinquentenário de atividades literárias.


MLH - Você é um escritor multifacetado: ensaísta, ficcionista e poeta. Em qual desses gêneros literários se sente mais confortável?

JRP – Quando, pela segunda metade dos anos 1960, comecei a publicar os meus textos, eu pretendia dedicar-me a escrever contos, poemas e artigos de crítica literária. Daí que tenham sido exatamente pelo conto as minhas primeiras incursões em publicações em jornais. Posteriormente – e em paralelo – comecei a publicar poemas e resenhas de livros, partindo destas para artigos mais alongados. As atividades acadêmicas a que me dediquei a partir da década seguinte (nos anos 70) – como aluno de mestrado em letras e depois professor de literatura na UFPE – obrigaram-me a investir mais na escrita ensaística, o que resultou em diminuição de ritmo na produção de contos e de poemas. A elaboração de uma dissertação ou de uma tese é algo que, praticamente, requer dedicação exclusiva, não permitindo desvio de foco. Terminado o mestrado, retomei a escrita de contos e poemas, mas a ordem ou frequência das minhas publicações (até por uma espécie de “demanda” universitária) seria invertida a partir dali, e eu passei a produzir muito mais o ensaio de crítica e interpretação literária, seguido da atividade poética e só mais raramente do conto. Respondendo à pergunta, eu diria que, pelo espaço de liberdade criativa e pelo objetivo da “invenção” estética a alcançar, o conto e o poema oferecem maior “conforto”, porque o ensaio (ainda que criativo também) está condicionado a normas estruturais, metodológicas e à lógica de quanto se quer demonstrar e provar.


MLH - O que você perguntaria a um poeta, para melhor interpretação de sua obra? E, neste caso, o que você, como poeta, responderia?

JRP – Penso que não perguntaria nada, porque não cabe ao poeta oferecer a interpretação (ou a “explicação”) da sua obra. A compreensão de uma obra literária é “aberta” (no sentido em que Umberto Eco pensou a Obra aberta), de modo que, recebendo de um poeta a interpretação da própria obra, corre-se o risco do reducionismo ou do confronto entre o que o poeta diz do seu texto e o que o intérprete compreendeu dele quando o leu. Autoexplicar a obra literária é empobrecê-la com a retirada do seu mistério. Ao invés de fazer qualquer pergunta a um poeta para melhor interpretar a sua obra, eu prefiro lê-la; assim como prefiro que leiam a minha, ao invés de me pedirem explicações sobre ela.


MLH - José, você é um grande estudioso da obra do escritor português Vergílio Ferreira. Na sua abalizada opinião, em que patamar o situaria, entre os escritores de língua portuguesa do século XX?

JRP – Sem dúvida alguma, no patamar mais alto. Vergílio Ferreira é, na minha opinião, um dos mais importantes escritores de língua portuguesa do século XX. Sobretudo como romancista, mas não só: também como ensaísta literário e filosófico, cujas reflexões, ultrapassando os limites da produção ensaística reunida em vários livros, se espraia por um imenso diário (intitulado Conta-Corrente) editado em nove longos volumes. Vergílio Ferreira é um inovador do nosso romance e do nosso ensaio, um introdutor – no domínio da ficção - de novos temas problematizados desde a perspectiva existencial-fenomenológica. É ele quem inaugura esse caminho com romances como Mudança, Manhã submersa, Aparição, Cântico final, Estrela polar, Para sempre... E em ensaios como Carta ao futuro, Invocação ao meu corpo ou os da longa série de volumes intitulada Espaço do invisível. O seu nome, e o conjunto da sua obra, são de referência obrigatória quando se tratar da ficção (romance e conto), do ensaio e do diário nas letras vernáculas do século XX.


MLH - Como mestre de Literatura Portuguesa, você vê alguma influência da literatura brasileira no panorama da literatura portuguesa atual? E vice-versa, alguma influência da literatura portuguesa no contexto atual da literatura brasileira?

JRP – Não. Em qualquer dos sentidos, não vejo nenhuma influência. Alguns autores brasileiros são particularmente apreciados em Portugal (sobretudo no ambiente acadêmico), entre eles, particularmente os “clássicos modernos”: Bandeira, Drummond, Cabral... o ficcionista recentemente falecido, Rubem Fonseca. No sentido inverso, dá-se o mesmo: sobretudo nos cursos de letras, no Brasil há alguns leitores de Saramago, Lobo Antunes, Almeida Faria, Lídia Jorge, Teolinda Gersão, Mário Cláudio... Mas não há marcas de influências de escritores brasileiros sobre portugueses nem o contrário.


MLH - Como estão, hoje, os intercâmbios culturais entre Portugal e Brasil?

JRP – Praticamente inexistentes. Têm vindo a decrescer de ano para ano, de década para década. A rigor, não há qualquer programa institucional de intercâmbio cultural entre Portugal e Brasil. Alguns professores, pesquisadores, escritores, especialistas nesta ou naquela matéria, fazem, com os seus pares do outro país, as suas trocas de experiências em caráter pessoal. Identidade linguística e tradições culturais em comum já não sensibilizam os governos de Portugal e do Brasil nem os inspiram na construção de programas de intercâmbio. Assim é, no que pese a existência de organismos como o Instituto Camões (em Portugal), a CPLP, e o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, que teve a sua criação proposta em 1989, no Brasil (onde nunca funcionou), e hoje está em Cabo Verde.


MLH - Uma curiosidade minha: um escritor português, que está radicado no Brasil, como é o seu caso, onde se insere: na literatura brasileira, ou na portuguesa?

JRP – Eis aí um problema que não chega a ser grave e uma pergunta para a qual não há uma resposta pacífica. A questão não é grave, porque, o que qualquer escritor que, como eu, se enquadre nessa situação (a de ter nascido em Portugal e encontrar-se radicado no Brasil) tem a fazer é escrever e publicar sem pensar se pertence à literatura de lá ou à de cá. Essa inserção passa por dois critérios: o do local de nascimento e o do local onde se produziu a obra. Se prevalecesse o do local de nascimento então eu deveria estar inserido na literatura portuguesa, a prevalecer a do local onde se vive e trabalha (e, no meu caso, onde se deu toda a minha formação intelectual) eu pertencerei à brasileira. Penso que este segundo critério tem mais peso, porque eu vivi em Portugal somente os cinco primeiros anos da minha vida, após o que, por meu pai, com toda a restante família, fui trazido para o Recife. Gostaria de lembrar dois casos semelhantes ao meu, mas no sentido inverso: o poeta parnasiano Gonçalves Crespo nasceu no Rio de Janeiro (em 1846), mas, radicando-se em Lisboa desde os 10 anos de idade, é na literatura portuguesa que está inserido. O mesmo se deu com o romancista Carlos de Oliveira, que nasceu em Belém do Pará (em 1921) e, sendo levado pelos pais para Portugal aos dois ou três anos de idade, é à literatura portuguesa que pertencerá. Deve haver inúmeros outros casos semelhantes, e neles incluo o da minha amiga e companheira de geração Maria de Lourdes Hortas, nascida em São Vicente da Beira e radicada no Recife desde a adolescência. O ideal seria que se pudesse ficar nas duas literaturas, mas só conheço um caso de autor que, tendo nascido em Portugal e vivido no Brasil, acabaria pertencendo às literaturas dos dois países: é o Padre António Vieira.


MLH - Para finalizar essa entrevista: como poeta, você tem algum ritual para escrever?

JRP – Nenhum ritual. Se os deuses me derem o primeiro verso de um poema (Valéry) ou a primeira frase de um conto ou de um artigo, ótimo: trabalharei a partir dessa dádiva. Se nada me concederem, partirei sozinho em busca da palavra. 




ENTREVISTA COM O ESCRITOR JOSÉ RODRIGUES DE PAIVA ENTREVISTA COM O ESCRITOR JOSÉ RODRIGUES DE PAIVA Reviewed by Natanael Lima Jr on 00:04 Rating: 5

2 comentários

  1. Bela entrevista do escritor José Rodrigues de Paiva.Uma honra para mim, que o entrevistei e para o DCP que a publicou. Gratidão.

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    1. Isto para todos que integram este projeto literário, é uma honra dupla. Entrevistadora e entrevistado, maravilhosos seres humanos dotados de fraternidade e conhecimentos. O DCP está plenamente honrado de proporcionar este momento, único em nossos vidas.

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