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MAXIMIANO CAMPOS: CRÔNICA E FICÇÃO*


Por Maria de Lourdes Hortas*




                                                  
Maximiano Campos (1941 – 1998) I Foi poeta, 
ficcionista e cronista I Foto: Reprodução



Depois de sete anos de reflexão e silêncio o escritor pernambucano Maximiano Campos reaparece com a novela A Memória Revoltada, mais um azulejo do límpido mural nordestino que a sua obra vai compondo, e do qual fazem parte as obras Sem Lei nem Rei, As Emboscadas da Sorte, As sentenças do Tempo, A loucura Imaginosa e O Major Façanha.
O simples fato do reaparecimento de um escritor do porte de Maximiliano constitui motivo de orgulho e alegria para os seus conterrâneos. E o orgulho e a alegria ainda mais se acentuam quando temos em mãos um livro que desnuda implacavelmente a realidade social nordestina.
Entrelaçando a crônica e a ficção, A Memória Revoltada é o depoimento de uma época, cujo personagem-narrador se transfigura em veículo da denuncia. João Valente Bravo chega ao leitor com “uma fisionomia, uma caravana de sonhos, uma matilha de ambições”. Em sua loucura consegue ouvir “o coro de anjos” que o “ apazígua nos momentos de desespero”.
Utilizando recursos narrativos que por vezes lembram a objetividade de Hemingway, Maximiano Campos escreve uma história acessível a múltiplos níveis de leitores: quer contar uma história e o consegue plenamente. No entanto, sob a aparente linearidade, há toda uma profundidade simbólica, descida aos abismos da alma humana, revelação de um mundo caótico que, por demais evidente, nem sempre nos causa o devido impacto.
Abstendo-se de utilizar experimentalismos estéticos, como o realismo mágico ou fantástico tão em voga na sua época, atém-se à realidade, por sentir que a mesma é suficiente para atingir o absurdo. Assim, Maximiano Campos volta-se para a função tradicional da obra literária: comunicação e representação. E, através do seu personagem central, adverte os leitores:
Espero também, já de agora, responder aos que criticarem o método deste relato. Ele não está sendo escrito para alminhas ternas e burocratas da literatura, nem muito menos para eruditos, ele está sendo escrito para homens comuns, leitores comuns que são capazes de ser povo ou se deixarem tocar e emocionar por suas estórias.(pág.48)
De tudo isto resulta um livro que nada tem de acalentador, balsâmico ou lírico. As memórias de João Valente Bravo sobressaltam o leitor e o acordam da sonolência ou torpor em que o hábito do sofrimento o mergulhou. Trazem-no da obscuridade das alcovas para a cruel luminosidade das ruas, ferindo-lhe a vista com o impacto dos fatos que nela ocorrem.
O personagem João Valente Bravo, em certo momento do livro, diz:
Às vezes penso que esta nação está virando uma casa malassombrada onde, quando os habitantes dormem um sono desassossegado por terríveis pesadelos, assaltantes saqueiam e debocham dos que estão adormecidos. Os fantasmas da História tentam despertar os habitantes, ensinar-lhes alguma coisa, mas o sono é profundo, parecendo provocado por um narcótico. Então, sozinho, entre os assaltantes, os adormecidos e os fantasmas, tento organizar a resistência contra os primeiros, mas só os fantasmas colocam-se ao meu lado.(pág. 49).
A emoção do leitor mantém-se acesa da primeira à última linha desta novela em que, com clarividência e penetração, o narrador transforma o narratário em confidente de João Valente Bravo, levando-o a conviver com aqueles que são objeto da sua denúncia.
Por tudo isso, João Valente Bravo, que na verdade se chama José Pacífico da Silva, posto ter sido flagrado no cenário deste Nordeste onde vive o seu criador, é um herói que jamais perderá a sua atualidade, pois o seu discurso sempre será solidário com a perplexidade daqueles cuja demência resultar da prepotência e da injustiça.
Com este livro, Maximiano Campos escreve um depoimento nítido, gravado para sempre na pedra da memória universal, exatamente como preconizava o Pe. António Vieira: “Tão claro que o entendam os que não sabem e tão alto que tenham muito que entender nele os que sabem.”.

*(Extraído do livro “Nos bastidores da poesia”, Imagética Edições, 2019. Texto publicado no Diário de Pernambuco, Coluna Panorama, em 29/10/82, acerca da novela A memória revoltada / Maximiano Campos, Edições Pirata / Civilização Brasileira - Recife, Rio/1982)



*Maria de Lourdes Hortas é poeta, ficcionista e ensaísta

MAXIMIANO CAMPOS: CRÔNICA E FICÇÃO* MAXIMIANO CAMPOS: CRÔNICA E FICÇÃO* Reviewed by Natanael Lima Jr on 06:03 Rating: 5

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